terça-feira, 19 de abril de 2011

Dona de voz rouca e rascante, Janis Joplin, em sua rápida carreira, rapidíssima, diga-se, deixou algumas joias: esta Summertime, Mercedes Benz, Cosmic Blues etc.

Talvez tenha vivido o tempo que tinha pra viver: drogas, bebidas e muito rock, provavelmente não resistiria à mesmice de hoje. Musa de toda uma geração, continua encantando seus eternos admiradores e arrebatando as novas gerações com suas performances definitivas.

Fique aí com esta gravação de 1969. Você vai querer ouvir tudo o que ela gravou, infelizmente muito pouco para
pra esse talento além de seu tempo.



sexta-feira, 15 de abril de 2011

QUEM INVENTOU O CACHORRO VEGETARIANO?

RODRIGO TURRER, HUMBERTO MAIA JUNIOR E MARCELO MOURA
A moda de negar carne a animais carnívoros mostra que a humanização (cada vez maior) dos bichos domésticos não tem limites – e pode prejudicá-los
  shutterstock
Cachorros e homens vivem juntos há pelo menos 12 mil anos, numa relação contínua que se revelou benéfica para as duas espécies. Sem a proteção do homem, dificilmente o cão teria chegado aos dias atuais. Não era um predador de sucesso. Mas revelou-se brilhante no poder de transmitir conforto e confiança aos seres humanos – e de acompanhar as mudanças de seus hábitos e valores. O bicho ganhou um papel afetivo que antes era desempenhado por parentes e vizinhos. Agora, o poder de adaptação dos cachorros está novamente em teste. Pessoas que não querem comer carne – por implicar a morte de um outro ser vivo – estão impondo a seus cães domésticos dietas vegetarianas ou veganas, ainda mais radicais. Os veganos não comem nenhuma espécie de proteína de origem animal, como leite. Aplicar esses valores aos animais de estimação representa, para muitos, uma manifestação de respeito. Mas obrigar cães e gatos a viver de vegetais e passar o dia sozinhos dentro de apartamentos representa uma prova de carinho?
A treinadora de animais Ana Aleirbag, de 22 anos, não come um único pedaço de carne desde 2007. Nem ela nem seus seis cães. Ana estendeu aos bichos de estimação a dieta vegetariana que adotou para si mesma, na mesma época. “Era incoerente eu não comer carne e dar uma ração com restos de cadáveres para minha melhor amiga”, diz, referindo-se a Fly, uma cadela da raça border collie de 5 anos. “Consultei o veterinário, planejei a transição alimentar e nenhum deles estranhou a mudança.” Eles obviamente não teriam meios de se queixar, mas é provável que adoecessem se a troca de dieta fosse muito nociva. Ana serve uma porção de ração vegetariana misturada a frutas. Em horário alternado, dá leite de vaca, iogurtes e queijo branco – fontes de cálcio e proteína animal.
O desenvolvedor de software curitibano Anderson dos Santos, de 27 anos, foi além. Impôs a sua vira-lata Cindy uma alimentação vegana – ou seja, inteiramente à base de vegetais, sem nenhuma proteína de origem animal. “Não tinha cabimento causar sofrimento a um bicho para alimentar outro”, diz Santos. Isso foi há cinco anos. Hoje tem outros dois cães veganos. Para propagar a filosofia, traduziu para o português o livro Cães veganos: nutrição com compaixão, do veterinário e pesquisador James O’Heare. “Hoje, eu mesmo fabrico a ração caseira com suplementos de cálcio, vitamina B12 e zinco”, afirma Santos. O mais famoso cão vegano do mundo foi a cadela Bramble. Quando morreu, em 2003, ela somava 27 anos e 11 meses de vida – o terceiro cão mais longevo registrado pelo Guinness book. Alimentava-se de uma pasta com arroz integral, lentilhas e vegetais orgânicos. Sua dona, a inglesa Anne Heritage, de 52 anos, é vegana radi-cal. “Ela viveu feliz”, disse na ocasião da morte.
Rogério Cassimiro
VEGETARIANOS
A treinadora Ana Aleirbag e seus cães, Fly e Jolie. Em vez de carne, os três comem bananas e maçãs
Mas, esperem um pouco – não há algo de estranho nessa aparente normalidade? Cães pertencem, por definição, à ordem dos carnívoros – junto com os felinos. O poodle cheiroso que dorme no sofá da sala é geneticamente da mesma espécie do lobo selvagem, que se alimenta de carne. Aquilo que se chama erroneamente de Canis lupus familiaris, o cão doméstico, é uma invenção humana sem correspondência exata na natureza. Cientificamente, só há o Canis lupus, que se apresenta em vários formatos. Todos eles são carnívoros. Transformá-los em onívoros como nós, criaturas que comem de tudo, foi o primeiro passo da humanização alimentar desses animais. Torná-los vegetarianos, e, agora, veganos, apenas aprofunda o fenômeno conhecido como antropomorfização – a compulsão de imputar atitudes e sentimentos humanos ao que nos cerca no mundo natural. No passado, fizemos isso criando deuses com características humanas. Agora, humanizamos os cachorros.
“Todo dia alguém me pergunta ‘Como alimentar meu animal sem carne’”, diz Andrew Knight, veterinário, especialista em bioética e pesquisador do Centro Oxford para Ética Animal. Andrew mantém um site em cinco línguas sobre o tema (vegepets.info), com mais de 5 mil acessos diários – só do Brasil são registradas 800 visitas por semana. O hábito de alimentar animais com vegetais começou nos Estados Unidos, no fim dos anos 1960. Grupos de veganos radicais passaram a considerar natural alimentar seus bichos de estimação com sua própria dieta – impondo a criaturas irracionais uma interdição ética ou religiosa essencialmente humana. Como outros orientalismos, esse também é uma invenção que nada tem a ver com a religião ou a ética originais. Na Índia, berço das crenças hinduístas abraçadas no Ocidente, cães e gatos não são tratados com cuidados humanos. “Algumas tradições hindus os veem como animais impuros. São maltratados mesmo”, diz o paulistano Erick Schulz, diretor do Instituto de Cultura Hindu Naradeva Shala, em São Paulo. “Lá tem veterinário para cavalo e para elefante, mas são raros os veterinários que atendem cães e gatos.” Os cães e os gatos da Índia comem carne à vontade, embora a população de religião hinduísta não coma. “A cultura hindu respeita o animal como realmente é: se ele é carnívoro, come carne, se não é, não come”, diz Schulz.
A dieta vegetariana para cães e gatos tem fortes opositores – mesmo entre vegetarianos. Presidente da Sociedade União Internacional Protetora dos Animais (Suipa), com sede no Rio de Janeiro, Izabel Cristina Nascimento tem 60 anos e não come carne desde os 18. Nem por isso acha razoável impor sua dieta a um cão. “Como posso levar meu cachorro a comer cenoura e soja? O animal tem o dente canino mais acentuado justamente para comer carne”, diz ela. Aulus Cavalieri Carciofi, médico veterinário especialista em nutrição de cães e gatos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), é vegetariano há 20 anos. Seus quatro cães, não. “Não como carne porque não quero matar animais. Mas para conviver com eles é preciso entendê-los”, afirma. “Se a ideia de permitir a entrada de carne em qualquer forma em casa é inaceitável para um vegetariano, que ele tenha um bicho com outros hábitos. Um passarinho, por exemplo.”
Fotos: Rodrigo Schmidt/ÉPOCA e ShutterstockFotos: Rodrigo Schmidt/ÉPOCA e ShutterstockFotos: Rodrigo Schmidt/ÉPOCA e ShutterstockFotos: Rodrigo Schmidt/ÉPOCA e Shutterstock
Gatos e cachorros precisam mais da proteína animal do que os homens. “O vegetarianismo para bichos de estimação é antinatural. O organismo do animal aproveita melhor a proteína de uma ração feita com proteína originária do frango do que da soja”, diz Mario Marcondes, diretor clínico do Hospital Veterinário Sena Madureira, em São Paulo. Com uma dieta pobre em proteína animal, o cachorro pode acabar consumindo os próprios músculos para gerar energia. Para os gatos, a dieta vegetariana é ainda mais arriscada. Os bichanos dependem da carne para metabolizar a taurina, composto envolvido na formação e no funcionamento da retina. Sem taurina, os gatos podem desenvolver cegueira e problemas cardíacos. Seria um exemplo extremo de como uma excentricidade humana, revestida de carinho, pode prejudicar dramaticamente o animal que gostaria de proteger. Vestir, carregar como um bebê e lavar frequentemente os bichos podem ser atos cruéis ou opressivos, que ferem a anatomia e a natureza do animal. Mario Gisi, subprocurador-geral da República, é contra esse tipo de coisa. “Ainda que muitos donos sejam bem-intencionados, algumas práticas não deixam de ser cruéis”, afirma. Izabel, da União Internacional Protetora dos Animais, também critica. “É um erro impor nossas crenças ao animal. Daqui a pouco vão querer que ele caminhe em duas patas”, diz ela. Izabel condena a “humanização” animal que passa pela utilização de fantasias e roupas de marca: “Roupinha da Valentino e coleira da Gucci? Será que o cão gosta? Duvido.”
As transformações na relação entre pessoas e bichos vêm a reboque de mudanças na demografia humana. Nos últimos 40 anos, a população brasileira migrou do campo para a cidade e das casas para apartamentos – levando seus animais com ela. Na natureza, quando o espaço de habitat encolhe, a tendência das populações é cair. Com cães e gatos está ocorrendo o contrário. Quanto mais confinados, mais os humanos parecem adotar animais. O senso comum sugere que o isolamento das cidades e a redução das famílias têm um papel relevante nesse fenômeno. Há hoje no Brasil 34,4 milhões de cães, um para cada seis brasileiros. Quando se põem os gatos na conta, a relação é de um animal para cada quatro humanos. Os fabricantes de rações dizem que 44% das casas brasileiras têm animais de estimação. Vive entre nós a segunda população canina do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
Rodrigo Schmidt
SAUDADE
Marcelo e Kátia no velório de seu cão, Duda. A alegria em vida e a dor da morte se assemelham ao sentimento por um parente
Embora se especule que o Homo erectus já perambulava na savana africana com uma espécie de canídeo há 500 mil anos, o registro fóssil mais antigo da convivência entre cães e humanos é de 10 mil anos antes de Cristo. O cão foi a primeira espécie a ser domesticada, e sua evolução está intimamente associada à evolução humana. É por isso que eles nos olham nos olhos tão atentamente e parecem de alguma forma reagir a nossas inquietações e vontades. É uma especialização. Os lobos selvagens são famosos pela capacidade de resolver sozinhos problemas intrincados. Os lobos domésticos são especialistas em obter nossa ajuda para fazer o que querem: comer, correr, coçar, lutar... O cachorro não teria vivido até hoje e prosperado demograficamente sem seu padrinho humano. O psicólogo evolucionista John Archer, da Universidade de Central Lancashire, escreveu num artigo já clássico que os cães são especializados em manipular aspectos de nossa mente que nos levam a tratá-los como crianças, protegendo e alimentando. Seriam parasitas. “De um ponto de vista darwiniano, é uma relação intrigante”, diz Archer. Ela implica prover a sobrevivência de outra espécie sem receber em troca nada que aumente as chances humanas de sobrevivência. Diferentemente de uma relação simbiótica, em que as duas espécies melhoram suas chances reprodutivas, a associação entre homens e cãos, diz Archer, só tem um beneficiário: o simpático parasita peludo que pode custar, em dez anos, algo como R$ 70 mil. Por que não gastar esse tempo e esse dinheiro com seres da mesma espécie?
Escrita no século VIII a.C., a Odisseia, de Homero, mostra que a conexão emocional entre homens e cães é antiga. Quando o guerreiro Ulisses finalmente volta para casa, depois de 20 anos ausente, é o cão Argos quem primeiro o reconhece. Além de zelar pela segurança da casa, os cães tocaram ovelhas onde o homem se dedicou ao pastoreio, farejaram a presa quando o homem achou por bem caçar e puxaram trenós na neve. Mas, acima de tudo, eles fizeram companhia a seu provedor. Talvez agora, depois de 12 mil anos de coevolução, o cão esteja diante do desafio de tornar-se gente.
Eram 14h04 da quinta-feira da semana passada quando o sino tocou três vezes no Pet Memorial, em São Bernardo do Campo, São Paulo. Foi o sinal para que a fonoaudióloga Kátia Pinho, de 34 anos, e o representante comercial Marcelo Milane, de 33, se levantassem da antessala onde s estavam e se dirigissem para a pequena capela onde, dentro de um caixão rodeado por flores, estava Duda, uma west white highland terrier de 14 anos. Duda morrera às 22 horas do dia anterior de uma doença genética. Kátia, óculos escuros e lenço branco nas mãos, e Marcelo velavam a cachorrinha. “Foi nossa primeira filha”, diz a fonoaudióloga, que tem três filhas – biológicas – com o marido. “A Dudinha dormia na minha cama. Quando a minha filha do meio vinha deitar, ela rosnava de ciúmes, do tipo que existe entre irmãos.” Outra demonstração do ciúme “fraternal” ocorria quando Kátia chegava em casa: “Primeiro, eu tinha de dar atenção a ela. Só depois às crianças.” Diz o marido, Marcelo: “Ela deu muita alegria a nossa família. Merecia um final digno”.
Fazer velório para um cão representa humanização em estágio avançado. O ritual humano teria se originado na Idade Média como forma de garantir que a pessoa havia realmente morrido. Hoje, é uma construção intelectual abstrata que tem por objetivo homenagear o morto – impossível de ser compartilhada por qualquer animal. Ainda assim, o velório canino tem os elementos da cerimônia tradicional e é tão triste quanto ela. “Já vi homens grandes chorando como crianças pela morte de seu cachorro”, diz Luiz Henrique Guimarães, veterinário da Pet Memorial. Guimarães diz que são realizadas cerca de 200 cerimônias por mês. Os preços variam conforme o serviço. O velório seguido de cremação varia de R$ 1.000 a R$ 3 mil.
   Reprodução

Quem ama paga tanto para prolongar a vida do bichinho amado quanto para proporcionar uma suposta felicidade a ele. O mercado de animais de estimação no Brasil movimenta R$ 11 bilhões por ano. Em janeiro, foi inaugurado em Copacabana o Pet Delícia, um restaurante de comida caseira para bichos de estimação. O Hospital Veterinário Sena Madureira, em São Paulo, conta com recursos como tomografia computadorizada e terapia experimental com células-tronco. Por R$ 700, é possível manter-se perto do bichinho convalescente num quarto particular com cama para o dono. “Quem tem um animal precisa assumir responsabilidades. Não vejo nada de mais em gastar o que puder para salvar o meu cão”, diz o diretor de teatro Wagner de Miranda, de 45 anos. Ele gastou R$ 3.500 em diárias para dormir ao lado de Schui-tah, seu cão da raça lhasa apso. “Ficar perto ajudou na recuperação.” Os animais passaram a ser aceitos em locais onde antes sofriam restrições. Shopping centers, por exemplo, foram obrigados a aceitar que os donos passeassem com seus pets. O mesmo ocorreu com restaurantes, hotéis e apartamentos. Segundo Rosângela Ribeiro, gerente no Brasil da Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA, na sigla em inglês), esse movimento é antigo em países como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha.“O cão se tornou um membro da família, por isso a pessoa quer levá-lo para os locais que fre-quenta”, diz Rosângela. “Mas é preciso pensar no animal. Será que é bom para ele passar quatro horas num restaurante enquanto a pessoa come?”
Confira mais fotos de cães:
Existe alguma explicação lógica (além do parasitismo predatório) para uma sociedade que humaniza cães e investe neles quantias que poderiam contribuir para a melhoria da vida humana? Aparentemente, sim. Um estudo divulgado há duas semanas pelo Departamento de Saúde de Michigan, nos EUA, revelou que donos de cães são 34% mais saudáveis do que pessoas que não têm animais de estimação. “A mera presença do animal de estimação pode reduzir a pressão arterial, e donos de animais de estimação geralmente têm baixo nível de colesterol”, afirma Dennis Turner, pesquisador da Universidade de Zurique, na Suíça. A ciência encontrou uma explicação bioquímica para os benefícios da convivência. Em 2009, os cientistas Miho Nagasawa e Takefumi Kikusui, da Universidade Azuba, provaram que cães são capazes de estimular a liberação de oxitocina – um hormônio produzido no hipotálamo que combate estresse e depressão, além de influir nas relações sociais. Ao olhar para seus cachorros, 55 pessoas experimentaram um aumento de oxitocina semelhante ao que ocorre nos momentos de convivência entre mãe e filho. Mas, ao contrário de uma criança, o cão não carrega a herança genética dos pais e não se cria, em torno dele, a expectativa de construção do futuro da sociedade. Nesse aspecto, a produção de hormônios estimulada pelo bicho, por mais gratificante que seja, é quase uma fraude da natureza – como o cão que ocupa o lugar afetivo de um ser humano, como o cão que não come carne. 


Mario Marcondes, veterinário, diretor clínico do Hospital Veterinário Sena Madureira

http://glo.bo/e7hy9c

terça-feira, 12 de abril de 2011

Ainda a tragédia de Realengo...


Escola não é joalheria ou banco

Silvia Gasparian Colello*



O fato ocorrido no Rio teve impacto não apenas naquela escola de Realengo, mas em muitas outras do País. Os educadores terão de repensar procedimentos de segurança, mas tomando cuidado para não comprometer a participação de pais e comunidade, que é indispensável.

A segurança na escola não pode ser confundida com a de uma joalheria ou a de um banco. Pela própria natureza, a escola não permite um fechamento total. É fundamental que os pais possam frequentá-la, buscando apoiar os filhos, dialogar com os educadores e participar de reuniões ou eventos. Quando as famílias são cúmplices da ação educativa, colaborando para a valorização da aprendizagem e a solução de problemas, os benefícios são evidentes para o desempenho escolar. Em termos de segurança, o que deve prevalecer é o bom senso. Não deixar o portão escancarado, mas identificar quem entra.

A escola deve ponderar o esquema de segurança em função das suas características, da sua estrutura física e do perfil da comunidade. Fica difícil encontrar uma solução definitiva e única. O massacre é ainda uma oportunidade privilegiada para que alunos e professores possam discutir sobre violência, valores e sentimentos. Superando o fato em si, é possível alcançar posicionamentos críticos sobre o nosso mundo e até promover iniciativas de combate à violência.

Silvia Gasparian Colelo é docente da USP
http://sergyovitro.blogspot.com/2011/04/escola-nao-e-joalheria-ou-banco-silvia.html CONTEÚDO LIVRE

domingo, 10 de abril de 2011

FOTOGRAFIA: Mostra de Andreas Feininger

Mostra de Andreas Feininger é exibida pela primeira vez na América Latina


© Foto de Andreas Feininger. Centro de Manhattan à noite. Nova York, 1940.

O Museu Lasar Segall, em São Paulo, apresenta até o dia 26 de junho de 2011, a mostra “Andreas Feininger: Nova York anos 40”. Dentro da enorme produção de Andreas Feininger (1906-1999), o recorte escolhido para esta mostra é de uma Nova York da década de 1940, dando ênfase ao interesse de Feininger pela vida urbana da primeira metade do século XX, não em seus conflitos, mas em suas utopias, os amplos planos revelando a grandeza e a modernidade da megalópole que se formava naquele período, incluindo aí seus contrastes. Feininger é filho do pintor Lyonel Feininger (1871-1956), um dos fundadores da Bauhaus. “Interessou-me tudo aquilo que foi criado pelo homem: desde a maquinaria, até os prédios ou os aviões e particularmente, interessa-me a cidade, embora de uma forma integral. Gosto de mostrar tudo como um conjunto: os carros, os sinais de trânsito, os edifícios e qualquer outra coisa presente”, afirmou o fotógrafo numa entrevista em 1999, ano de sua morte. Serviço: Exposição: Andreas Feininger – Nova York anos 40. Período: 26 de março a 26 de junho de 2011. Local: Museu Lasar Segall – IBRAM – MinC. Endereço: Rua Berta 111, Vila Mariana, telefone: (11) 5574-732 Funcionamento: terça a sábado e feriados, das 14h00 às 19h00; domingos, das 14h00 às 18h00 Entrada gratuita.

O DUPLO PERFIL DO FACEBOOK

Do Blog Outras Palavras 

  
A rede social colabora para a explosão do uso da web – com enormes impactos políticos, como na Tunísia e no Egito; mas também é parte da tentativa de cercear as liberdades na internet
Por Rodrigo Savazoni, em Retrato do Brasil
A internet mudou o mundo. Segue transformando-o. E a mais recente transformação é consequência da invenção do Facebook por Mark Zuckerberg. Seis anos atrás, aos 19 anos, ele lançou o mais bem sucedido e abrangente site de rede social. Porque, como a grande maioria dos garotos de sua geração, acreditou que uma idéia na cabeça e alguns códigos à mão o fariam bilionário. Acertou. Isso o torna a expressão perfeita do fluido capitalismo contemporâneo, que vive de nos vender – o que somos e fazemos – produzindo uma inestimável sensação de liberdade.
No ano que se encerrou, conforme registra o livro The Connector, lançado recentemente nos Estados Unidos, a invenção de Zuckerberg atingiu a marca de 550 milhões de usuários. “Uma em cada dúzia de seres humanos existentes no planeta usa a ferramenta. Elas falam 75 línguas e coletivamente gastam mais de 700 bilhões de minutos no Facebook todos os meses. No último mês de 2010 o site angariou uma de cada quatro páginas de internet visitadas nos Estados Unidos. Essa comunidade tem crescido ao ritmo de cerca de 700 mil pessoas por dia”.
Por essa e outras razões – algumas delas vamos tentar descrever neste texto –, o Facebook passou a concentrar a atenção dos homens e mulheres que dedicam suas vidas a pesquisar e avaliar os fenômenos políticos, econômicos, sociais e culturais que são reflexo da emergência da rede mundial de computadores.
É bom alertar, estamos diante de um paradoxo que não compreenderemos por meio de leituras dicotômicas. Para aquilo que é líquido, busque-se o recipiente correto, senão a análise escorre pelas frestas. Esse paradoxo consiste em: por um lado, a rede social de Zuckerberg é, sem sombra de dúvida, um elemento fundamental para a explosão do uso da web – inclusive proporcionando impactos políticos inestimáveis, como na Tunísia e no Egito; por outro, integra e aprofunda o movimento de cercamento às reais liberdades que marcaram a internet desde a sua criação.
Esse cerco à internet livre é produzido por uma aliança entre governos conservadores, indústria da propriedade cultural, empresas de telefonia e algumas das emergentes corporações do mundo das redes, com diferentes níveis de envolvimento de cada um desses atores.
O papel do Facebook nessa epopéia é o do monopólio, que busca transformar uma parte (um site) em todo (a rede). A ambição de Zuckerberg é que todo cidadão conectado à internet – atualmente cerca de 2 bilhões de seres humanos -, tenha um perfil no Facebook e possa se relacionar lateralmente por meio da ferramenta. Diz fazer isso porque quer ver o mundo mais “aberto e conectado”. Não é verdade.
Para entendermos porque essa declaração é falsa, primeiramente precisamos compreender a qual campo fazemos referência quando falamos do Facebook.
Segundo danah boyd, estudiosa do tema e consultora de grandes empresas do mundo, um site de rede social tem três características: 1) permitir ao usuário construir um perfil; 2) articular uma lista de amigos e conhecidos; e 3) visualizar e cruzar sua lista de amigos com os seus associados e com outras pessoas dentro do sistema.
O primeiro site com essas características foi lançado em 1997, portanto apenas um ano depois de a internet se tornar comercial no Brasil. A explosão desse modelo, no entanto, ocorreria a partir de 2002, com a criação do Friendster e, logo depois, do MySpace.
No Brasil, diferentemente de outros países, a experiência foi singular. O que o mundo vem experimentando nos últimos dois anos com o crescimento do Facebook (todos os seus “amigos” trocando mensagens, fotos, vídeos, entre outras informações, em um mesmo ambiente controlado), os brasileiros experimentaram a partir de 2004 com a invasão do Orkut, o site de relacionamento criado pelo Google que segue líder de audiência por aqui.
Até pouco tempo – e não seria impreciso demarcar que o Facebook também é responsável por isso – as redes sociais foram observadas apenas como fenômeno adolescente, sem grande importância ou impacto no ecossistema midiático. Nos últimos anos, no entanto, isso mudou, principalmente porque essas redes passaram a redefinir a forma como as pessoas consomem e circulam informações. Conforme escreve Grossman, um dos principais objetivos de Zuckerberg é mudar a “forma como a mídia é organizada, para reconstruí-la a partir da oligarquia benevolente de sua lista de amigos como princípio dessa reorganização”. Quando isso ficou evidente, o tema redes sociais ganhou outro tratamento por parte dos detentores de poder.
Redes são pessoas
“As pessoas fazem as redes sociais para além delas mesmas”, explica André Lemos, professor da Universidade Federal da Bahia e autor, com Pierre Lévy, de O Futuro da Internet, lançado no ano passado. “A rede não é o canal por onde passam coisas, como pensamos comumente, mas algo fluido, movente: ela é a relação que se estabelece, a cada momento, entre os diversos atores. Ela é o que agrega. Ela faz o social”.
Como outras – mas melhor que qualquer uma – a ferramenta de Zuckerberg se propõe justamente facilitar a aproximação entre pessoas, o que só é possível porque as massas, de fato, aderiram à plataforma.
“O sucesso do Facebook demonstra que as pessoas querem se relacionar”, opina Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e eleito em janeiro para uma das representações da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-Br). “Ao contrário do que foi sentenciado pelos tecnofóbicos, a rede permite aproximar as pessoas e intensifica os relacionamentos. O Facebook e outras redes sociais são articuladores coletivos, por isso, canalizam os processos de convocação, mobilização e solidariedade”
Para Giselle Beiguelman, artista multimídia e professora da Universidade de São Paulo, “é importante perceber, no entanto, que ao mesmo tempo em que redes sociais como o Facebook abrem possibilidades inéditas de fomento do consumo e controle, tornam-se também dispositivos de uso crítico e criativo das mídias existentes. Por isso, apontam para diferentes concepções e tendências políticas da ecologia midiática atual.”
Essa ambivalência estrutura o paradoxo ao qual nos referimos anteriormente. Ao obcecadamente buscar fazer melhor aquilo que a web se propõe a fazer, mimetizando-a em um ambiente controlado, Zuckerberg constrói talvez a mais definitiva ameaça às liberdades que constituíram a estrutura inovadora da rede mundial de computadores.
Não à toa, Tim Berners Lee, o inventor da web, deixou de lado sua postura pouco beligerante, para se posicionar claramente contra esse movimento do Facebook em um artigo publicado no ano passado na Scientific American.
Em “Vida Longa a Web: um chamado pela continuidade dos padrões abertos e da neutralidade de rede”, Berners Lee faz duas críticas ao invento de Zuckerberg: a) ao não permitir que informações produzidas e publicadas em sites de rede social circulem livremente (você só as acessa se estiver vinculado ao banco de dados da empresa) esses projetos trabalham pela destruição da universalidade da web, que é uma de suas características mais fundamentais; b) seu crescimento exagerado conforma um monopólio que acabará por limitar a inovação.
Para entender a crítica descrita no ponto “a”, é preciso desfazer uma confusão comum entre dois termos que são comumente utilizados como sinônimos, mas não são: internet e web. Internet é uma rede de redes, evolução das pesquisas militares da segunda metade do século 20 que desembocaram no desenvolvimento de protocolos de interoperabilidade que permitiram a conexão entre diferentes redes físicas (como o Internet Protocol IP, criado por Vint Cerf).
A world wide web (WWW) foi criada no início dos anos 90 e pode ser explicada como uma camada visual da rede que para ser acessada necessita de um software de navegação (um navegador, como o Firefox, o Chrome ou o Internet Explorer). Todos os protocolos criados são de livre uso e constituiu-se então um Consórcio, chamado W3C, que se dedica a manter a abertura e a flexibilidade dessas aplicações, melhorando-as.
Para sustentar sua crítica de que o Facebook promove a fragmentação da web, Berners-Lee escreve: “o isolamento ocorre porque cada pedaço de informação não tem um endereço. (…) Conexões entre os dados só existem dentro de um site. Assim, quanto mais você entra, mais você se tranca em seu site de redes sociais tornando-o uma plataforma central, um silo fechado de conteúdo, e que não lhe dá total controle sobre suas informações. Quanto mais esse tipo de arquitetura ganha uso generalizado, mais a web torna-se fragmentada, e menos temos um único espaço de informação universal.”
Um monopólio e seu produto: nós
“O Facebook atua estranhamente como um concentrador de atenções e uma “draga” de conteúdos. Nele tudo pode entrar, mas nada pode sair”, reforça Sérgio Amadeu. “O Facebook apaga postagens e elimina perfis sem nenhuma obrigação de avisar os usuários. Atuou contra o Wikileaks atendendo os interesses do governo norte-americano. A democracia inexiste no convívio com os gestores do Facebook. Se o Facebook fosse um país seria uma ditadura e Mark Zuckerberg um déspota de novo tipo”.
Em entrevista publicada no livro The Connector, Zuckerberg admite o objetivo de constituir um gigantesco banco de dados sob seu controle. “Estamos tentando mapear o que existe no mundo”, diz ele. De acordo com Grossman, “ser membro do Facebook é o equivalente a ter um passaporte. Ou seja, ele é uma ferramenta para verificação de sua identidade, não apenas no Facebook, mas onde quer que se esteja online”.
“Ferramentas como o Facebook estão no centro do chamado capitalismo cognitivo que precisam para existir mobilizar todas as forças afetivas, criativas, comunicacionais. Mobilizar a ‘vida’ como um todo”, escreve Ivana Bentes, coordenadora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Esses dispositivos servem simultâneamente a criação e ao controle, que é a forma de operar do pós-capitalismo, é a lógica do Google e do Facebook. Modular a ‘autonomia’ e a ‘liberdade’ indispensáveis na produção atual imaterial (design, moda, estilos de vida, conhecimento, tudo que é inovação).”
Tim Wu, ativista pela liberdade da rede, professor de direito da Universidade de Columbia, autor do livro The Master Switch – The Rise and Fall of Information Empires, ajuda-nos a explicar o que vem ocorrendo com a web com base naquilo que ele chama de o ciclo padrão de desenvolvimento midiático. Ele apresentou essa sua interpretação no Seminário sobre Cidadania Digital organizado por Amadeu da Silveira em 2009. Para ele, ao surgir, uma mídia se caracteriza por: abertura, amadorismo e competição. Depois, tende à formação de monopólios proprietários fechados. Isso estaria agora ocorrendo com a internet, a qual estaria deixando para trás o tempo da inovação em direção ao domínio de grandes monopólios (entre os quais o Facebook).
A arquitetura de padrões abertos e distribuídos da internet permitiu que a inovação brotasse no quintal de casa. No Vale do Silício garagens viraram museus, onde estão registrados os primórdios dos objetos e interfaces que hoje todos utilizamos. A principal contradição no caso do Facebook é a de ter se beneficiado desse ambiente inovador para agora traí-los, em um movimento que ninguém é capaz de definir onde desembocará, uma vez que sobram dúvidas sobre qual será o destino que Zuckerberg dará para todo esse arsenal informação que ele passou a comandar.
Giselle, para quem todas essas críticas são essenciais, soma mais alguns elementos a esse paradoxo que estamos descrevendo: “a vulnerabilidade das informações pessoais no Facebook é constantemente apontada como um dos seus problemas. Contudo, é bom lembrar, que num mundo mediado por bancos de dados de toda sorte – de programas de busca a redes sociais, passando pelas ‘Amazons’ da vida e as catracas da empresa e da escola –, somos uma espécie de plataforma que disponibiliza informações e hábitos conforme construímos nossas identidades públicas nos diversos serviços relacionados ao nosso consumo, lazer e trabalho”.
O caso do Egito
Em meio a críticas e desconfianças, o Facebook segue avançando. Uma das razões para isso, segundo Grossman, é que o “Facebook faz mais o ciberespaço como o mundo real: maçante, mas civilizado. Considerando que as pessoas levavam uma vida dupla, o real eo virtual, agora eles levam como uma só novamente.”
Outra razão que ajuda a explicar o sucesso da ferramenta é a crescente utilização da plataforma para fins políticos, como no caso dos protestos contra o ditador egípicio Hosni Mubarak. No período em que as manifestações tiveram início (e antes de o governo “desligar” a internet como forma de reprimir as movimentações) o Facebook chegou a concentrar 40% de todo o tráfego de dados daquele país.
Isso demonstra que os bancos de dados que nos espreitam também são instrumentos que servem à desobediência. “Facebook e Google oferecem ferramentas de expressão, de ativismo, de criação (os dispositivos como potência são incríveis!) e ao mesmo tempo ‘capturam’ essa potência, monetizam”, descreve Ivana. “A batalha do pós-capitalismo, a matéria do Facebook são os  fluxos da própria vida. Nós somos o produto, mas nós somos os sujeitos da colaboração, das trocas, da cooperação social. O desespero do capital hoje é ser tão nômade e fluido quanto a vida, daí as ferramentas de colaboração serem hoje as mesmas do comando e do controle.”
O caso do Egito é emblemático não só do uso da internet para movimentações políticas, mas em especial do uso feito do Facebook. Foi por meio do site de rede social o Movimento Jovem 6 de Abril organizou suas primeiras manifestações. Conforme descrito em matéria publicada pelo The New York Times, os organizadores reuniram mais de 90 mil assinaturas online e com isso conseguiram encorajar as pessoas a irem para a rua.
À internet, sem dúvida, coube um papel fundamental, mas é preciso também relativizá-lo. “No caso do conflito no Egito, a rede de atores é composta por instâncias diversas: pessoas, discursos, redes sociais (Facebook e Twitter, os mais usados), SMS e telefones celulares, cartazes em praça pública, repercussão na mídia internacional, debates televisivos, luta corporal etc”, explica Lemos. “Nesse sentido, acho excelente que o Facebook seja usado para articular pessoas para a causa egípcia. Isso para além do Facebook. As redes sociais são um elemento importante de publicização do descontentamento egípcio, mas elas não fazem, sozinhas, a revolução”
Para Ivana Bentes, “o decisivo é que o desejo, a criação, a colaboração vem antes e não se reduzem ao comando, transbordam os dispositivos, mesmo quando são capturadas, rastreadas, monetizadas. Para ser mais brutal eu diria que por enquanto precisamos também dos Facebooks e Googles para fazer a insurreição digital que será decisiva para inventarmos uma nova política para o século XXI. Pós-Google e Pós-Face”.
Este texto foi construído a partir do diálogo com os professores André Lemos (Universidade Federal da Bahia – UFBA), Gisele Beiguelman (Universidade de São Paulo – USP), Ivana Bentes(Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) e Sérgio Amadeu da Silveira (Universidade Federal do ABC – UFABC).

http://ponto.outraspalavras.net/2011/04/08/duplo-perfil-facebook/

A LUTA CONTRA A HOMOFOBIA

Em Araçatuba, a equipe do Vôlei Futuro ganha o jogo contra o Cruzeiro (3x2) e dá show de cidadania contra homofobia de que foi vítima o meio de rede Michael em Contagem/MG.  Mais do que o resultado, valeu a lição contra o preconceito dada por torcida, dirigentes e jogadores do Vôlei Futuro.



Leia mais em:
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/sim-nos-podemos-aos-poucos-mas-sim#more

Falando para quem mexe com a terra


Ignácio de Loyola Brandão

Maria Bethânia. Estou contigo e não abro, como se dizia certa época neste Brasil. Você merece o que pediu pelo seu blog de poesia, e muito mais, o dobro, o triplo, dez vezes. Se porcarias como esses musicais americanos importados recebem uma grana alta, por que não a cantora que tem a mais coerente e bela carreira da música popular brasileira? Poesia é fundamental para abrir o coração.

Comecei contigo, Bethânia, continuo, para te contar a experiência que, semana passada, tive no interior do Estado, em Santa Cruz do Rio Pardo, pequena e aconchegante cidade. Poesia é também o contato com a terra. Quando a bibliotecária Haydé Augusta Rosa entrou comigo na escola agrícola do Centro Paula Souza, fui tomado pelo cheiro de café fresco. Ao me aproximar da mesa, o professor Luis Alberto Belezi, o Belo, me estendeu uma xícara. A fumacinha tênue e perfumada me conduziu à casa de minha avó Branca, em Araraquara, onde todas as tardes ela coava café caboclo, ralo e doce, que tomávamos com pão de coco, enroladinho.
Enquanto esperava o momento de inaugurar a biblioteca, sorvi aquele café que me aqueceu, trocando ideias com Belo sobre coadores de pano, melhores do que esses industrializados, de papel. Aqueles coadores de pano que de tão usados adquiriam a cor amarronzada e queimavam melhor o pó. Coadores feitos em casa, era preciso fervê-los na água misturada ao pó, para "amaciar", assim como havia gente que pedia aos filhos ou irmãos para usarem o sapato novo, a fim de "amaciarem".
Estive no Centro Paula Souza para inaugurar a biblioteca da Escola Técnica Estadual Orlando Quagliato, uma luta da bibliotecária Haydé. Ainda tem muita gente assim no Brasil. Para um escritor é bênção/entusiasmo ver mais uma biblioteca aberta, elas são bases para a cultura, o hábito da leitura, a viagem pela fantasia. Imaginem a primeira biblioteca de uma escola agrícola, na qual os livros técnicos sobre solo, técnicas de plantio, processamentos agropecuários, produção vegetal, clima, suinocultura, estatísticas vão conviver com romances, poesia, contos e crônicas em que a imaginação corre solta. Uma alegria ver uma biblioteca numa escola pública em que a primeira lista de material escolar pede enxada, chapéu de palha, botinão, jeans usado e camisa de manga comprida para enfrentar sol e chuva. Considerei-me privilegiado. Quantos autores já viveram esse momento de contato com gente que trabalha a terra e viu pela primeira vez um escritor pela frente e ouviu os processos de criação, essa gente que também mexe com a criação daquilo que nos sustenta?
Ouvi uma reação curiosa contada pela Leni de Fátima Dário, coordenadora da escola. Uma pessoa que deveria ter ido ao aeroporto de Bauru me buscar, pediu a uma colega que fosse em seu lugar. Estava entusiasmada, porém intimidada. Achou que não saberia o que conversar com um escritor, que tipo de assuntos me interessavam, para ela eu devia ser distante, inacessível, difícil, ia falar de temas altamente intelectuais, acadêmicos. O bom dessas viagens é a desmitificação da inacessibilidade do escritor, nesses momentos mostramos o que realmente somos, gente do dia a dia, normal (bem, tenho algumas dúvidas). Tirando minha cara brava, amarrada (é de nascença), aquela mulher acabou descobrindo que falo de tudo, de literatura, ferrovias, futebol, caipirinhas, curau, mulheres, filmes e fantasmas.
Sim, fantasmas! Porque Edvaldo Nicolini, que também se empenhou para levar um escritor à escola agrícola que ele dirige, me avisou que há (ou dizem que há) um fantasma assombrando o porão da sede urbana da escola, bonito prédio histórico, de altíssimo pé-direito, em cuja fachada está escrito: Meninos de um lado, Meninas do outro. Inscrições que vêm dos tempos em que homens e mulheres estudavam separados por paredes. Eu queria, porque queria saber do fantasma, pensei em passar a noite lá, não me deixaram. Confesso, era uma bravata. Dormi no hotel!
O refeitório da escola, no campo, foi montado para a conversa com os alunos. Eram 500 (há gente de todos os Estados, até do Pará) e me deixaram com a boca seca, ansioso. Vieram alunos de outras escolas, inclusive da Fafil, de Letras. Como conduzir uma fala para aquela gente que tinha olhos brilhando e que vive em outro mundo, pé no chão, digo na terra? 
Contei histórias, mostrando que literatura é prazer. Foram duas horas com fala, perguntas, respostas. E, então, pose para fotos em celulares. Antigamente eram autógrafos, hoje são fotos. Os próprios alunos, em poucos minutos, remontaram o refeitório, o almoço começou. Tudo que ali se produz ali se come. Sentei-me a saborear alface tenra, tomates suculentos, maionese fresca, lombo de porco com abacaxi, frango assado crocante, como poucos restaurantes quatro estrelas desta São Paulo conseguem fazer. 
Coisas da terra à nossa volta. Ao regressar a Bauru para pegar o avião, atravessei um milharal verdíssimo e me lembrei das pamonhadas que se faziam em Vera Cruz na minha adolescência, em tardes que reuniam famílias e colonos de várias fazendas e o cheiro do milho ralado e do curau subia das panelas, tão intensamente que permanece ainda hoje. Da escola agrícola de Santa Cruz não esquecerei jamais.
Publicado em 8 de abril de 2011, no “Caderno 2” do jornal O Estado de São Paulo

HOMOFOBIA É COISA DE VIADO

Nestes tempos de verdades absolutas cevadas pelo preconceito e pelo obscurantismo, resta desembainhar a faca e ir pro pau (epa!). Como diria o outro, Freud explica...

Re: Pelo debate civilizado de ideias

"Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo" – Paulo Freire

terça-feira, 5 de abril de 2011

A ESCOLA DA PONTE

RUBEM ALVES

Visitei Portugal e lá conheci uma escola diferente: a Escola da Ponte. Foi um espanto. Fiquei apaixonado

OS OLHOS SÃO órgãos marotos. Mesmo perfeitos, não são dignos de confiança. "Não vemos o que vemos; vemos o que somos", escreveu Bernardo Soares. A gente pensa que os olhos põem dentro o que está longe, lá fora, quando o que os olhos fazem é por lá longe o que está dentro.

É o caso dos olhos do pai e os olhos do apaixonado por sua filha... Olho de pai é olho que se educou com a vida. Conhece a menina, viu-a nascer, crescer, voar, cair... Alegrou-se nos dias de sol, entristeceu-se nos dias de sombras e escuridão.

Os olhos do apaixonado são diferentes. Neles mora uma pitada da loucura que se chama fantasia. O apaixonado vê como realidade aquilo que existe dentro dele como sonho. Versinho enorme de Fernando Pessoa: "Quando te vi, amei-te já muito antes". Traduzindo: vejo no seu rosto o rosto que já morava dentro de mim, adormecido... O apaixonado é um porta-sonhos.
 
Vocês, meu leitores, não devem estar percebendo a propósito de que é essa meditação sobre os olhares. É que eu escrevo por meio de parábolas, e o que está em jogo é um pai de olhar claro, uma donzela linda, sua filha, e um apaixonado que vê com olhos de poeta. Respectivamente, o professor José Pacheco, a Escola da Ponte e eu, Rubem Alves.

Visitei Portugal, acho que no ano 2000, e lá conheci uma escola diferente: a Escola da Ponte. Para mim, foi um espanto. Fiquei apaixonado e escrevi um livrinho sobre ela: "A Escola com que Sempre Sonhei Sem Imaginar que Pudesse Existir". Amei a Escola da Ponte, amor à primeira vista. Sou um educador. Escrevi muitas coisas sobre a educação no transcorrer da minha vida. Mas, de tudo o que escrevi, acho que minha contribuição mais significativa para a educação foi esse relato espantado e apaixonado.
 
A Folha publicou uma entrevista com o título "O lado escuro da Escola da Ponte" (7 de março de 2011). Nessa entrevista, o professor José Pacheco manifestou a sua preocupação com esse livro, exatamente por ele ter saído de um olhar apaixonado. A paixão obscurece os olhos que se põem então a construir mitos. E os mitos podem ser enganadores. O meu livrinho poderia levar os leitores a fantasiar coisas maravilhosas sobre a escola que não correspondem à realidade.
 
O que são mitos? Mitos são sonhos transformados em poesia. E a poesia tem poderes mágicos de transformar e dar vida. Quem explica o mito é Fernando Pessoa: "O mytho é o nada que é tudo;/ Sem existir, bastou./ Por não ter vindo foi vindo e nos creou./ Assim a lenda se escorre a entrar na realidade/ E a fecundá-la decorre". A visão mítica, que não é intencional, acendeu sonhos que dormiam em mim. Aí me vieram ao pensamento estes três textos que dizem o que penso.

Primeiro, Miguel de Unamuno: "Recuerda, pues, o sueña tú, alma mia -la fantasia es tu sustancia eterna lo que no fué; com tus figuraciones hazte fuerte, que eso es vivir, y lo demás es muerte". 
 
Depois, as palavras de Tolstói, que Guimarães Rosa cita com aprovação: "Se descreves o mundo tal como é, não haverá em tuas palavras senão muitas mentiras e nenhuma verdade". 
 
Finalmente, esse delicioso poeminha de Mário Quintana sobre as utopias: "Se as coisas são inatingíveis, ora... não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos se não fora a presença distantes das estrelas".
 
Continuarei a apontar para as estrelas...