quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Um Belo Monte de desinformações




Por Bruno Rezende.


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Debater sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Estado do Pará, ou qualquer outro assunto do nosso país é indispensável, pois o debate profundo é o caminho para chegarmos às soluções consistentes. Ok, mas cadê a opinião da sociedade? Pior que não ter opinião, é ter uma opinião tendenciosa que foi implantada pela mídia – na qual a maioria dos brasileiros acredita cegamente – ou ser influenciado por um movimento de atores que usa seu poder midiático para propagar informações levianas e totalmente distorcidas sobre o tema. Belo Monte ou Belo Monstro?

Antes que alguém pense que estou defendendo ou atacando o projeto de construção de Belo Monte, gostaria de deixar claro que a ideia aqui é apresentar informação baseada na realidade, como forma de informar e estimular o debate. Eu venho acompanhando há bastante tempo este assunto, mas apenas como espectador, divulgando via Twitter e Facebook alguns artigos técnicos referentes ao tema. Não quis me precipitar levantando opiniões em áreas técnicas que estão totalmente fora da minha alçada, mas como a proposta desse blog é traduzir essa informação de um modo que todos compreendam, inclusive eu, resolvi escrever este primeiro post. Espero também que seja o último sobre isso.
    "A hidrelétrica seria limpa se fosse no deserto; A usina inundará uma área de 640 km2 de mata virgem; A usina gerará, de fato, apenas um terço de sua potência máxima; A usina custará 30 bilhões de reais; Os índios não vão ter onde morar."
Estes são só alguns dos mitos levantados pelo movimento articulado por atores da TV Globo, chamado Gota D’Água. Trata-se de uma verdadeira sopa de abobrinhas que só ajuda a propagar a ignorância através de informações distorcidas, assim como outros movimentos e instituições já fazem com o tema “Sustentabilidade”.

Para entender melhor a crítica sobre este movimento dos atores globais é indispensável a leitura do artigo escrito por Reinaldo Azevedo intitulado “Falar mentiras é diferente de ter uma opinião”.

Principais verdades e mitos que vemos por aí

OS ÍNDIOS NÃO VÃO TER ONDE MORAR - MITO

Mais sensacionalista e incoerente impossível. Segundo dados das próprias organizações ambientais que atuam na região de Altamira a população total de índios que serão afetados pela construção da usina de Belo Monte é de 2208 pessoas, sendo 226 diretamente afetados pela diminuição da vazão dos rios Paquiçamba e Arara da Volta Grande e os da Área Indígena Juruna do km 17 da PA-415 (que será afetada pelo aumento do tráfego na estrada) e 1982 afetados indiretamente. O relatório completo da população que será afetada com a obra pode ser conferido clicando aqui.

Os índios vão ter onde morar, pois os assentamentos e as indenizações estão previstas no projeto, tudo no rigor da lei. Por falar em lei, ainda lembro alguma coisa da minha rápida passagem pela faculdade de Direito. Existe um termo no Direito Administrativo chamado “domínio eminente”, trata-se do poder que o Estado exerce potencialmente sobre as pessoas e os bens que se encontram no seu território, sejam públicos ou privados. A Constituição nos garante que o Estado não pode exercer sobre os bens privados (particulares) o mesmo domínio que exerce sobre bens públicos, no entanto a interferência do Estado em bens privados vai desde o ordenamento do solo à desapropriação, ocupação temporária, requisição, tombamento, entre outras interferências. Por exemplo, se você descobrir petróleo no chão da sua casa, se a sua casa está no meio do caminho do projeto de uma estrada ou se ela for clássica e quiserem tombá-la como patrimônio histórico, você não poderá fazer nada. É pegar a indenização e aceitar pelo “bem comum”.

Não que eu seja a favor de índios tendo que ser removidos de suas terras por ganância política e corporativista, mas um brasileiro afirmar que o Brasil vai deixar os índios sem moradia com uma mão na frente e outra atrás é ignorância.

 
A VAZÃO DO RIO XINGU VAI DIMINUIR – VERDADE

A vazão irá sim diminuir, mas não será ao ponto de prejudicar a navegação das embarcações nem as populações ribeirinhas, como andam dizendo. As garantias disso estão no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) de Belo Monte, basta que os órgãos de fiscalização ambiental, o governo e (principalmente) a sociedade monitore o cumprimento das recomendações.

A USINA INUNDARÁ UMA ÁREA DE 640 km2 – VERDADE – de “mata virgem” – MITO

A usina inundará uma área de 600km2, mas o mito desta afirmação está na “mata virgem”. De acordo com o ambientalista Dener Giovanini, que esteve em Altamira, o que mais falta naquela região do Pará é floresta. Dener diz que quem visita o entorno de Altamira só encontra pequenas ilhas de mata que, normalmente, estão cercadas por grandes áreas de pasto.

Para quem nunca foi para Altamira, como eu, vale dar uma passeada no mapa abaixo e confirmar a informação do Dener. Na imagem abaixo você pode ver uma parte da área que será alagada pela usina. Tire suas conclusões sobre mata virgem:

Exibir mapa ampliado
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A inundação é relativamente pequena, pois parte dela já é inundada hoje no período das chuvas. Tudo indica que a represa cobrirá pouquíssimas áreas de floresta virgem, a maior parte será coberta por áreas já super desmatadas e sem retorno econômico ou social aparentes, visto pelos vilarejos do local.

Por falar em desmatamento vale lembrar que a taxa anual de desmatamento da Amazônia vem caindo, mas em 2010 ainda estava em 7.000 km2 (uma Belo Monte a cada 2 meses), desses 3770 km2 só no Pará, como pode ser visto nos dados do INPE clicando aqui.


A USINA PRODUZIRÁ APENAS 1/3 DA SUA CAPACIDADE – MITO

Na verdade Belo Monte produzirá 42% da sua capacidade. Para utilizar sua capacidade total de produção a usina teria que manter um grande reservatório, assim como as hidrelétricas de Sobradinho (4.214 km2) e Tucuruí (2.850 km2), mas visando a diminuição do impacto ambiental Belo Monte usará o regime de fio d´água e uma área alagada de 600 km2.

A desvantagem do regime de fio d’água é que em períodos de estiagem das chuvas o Operador Nacional de Sistema Elétrico (ONS) determina, se necessário, a entrada em operação a pleno vapor de fontes de energia complementares, as usinas termoelétricas, movidas a gás natural, carvão, biomassa (bagaço da cana de açúcar) e as nucleares, todas muito mais poluentes que as hidrelétricas.

Luiz Pinguelli Rosa, diretor da COPPE-UFRJ, diz em seu artigo “A razão das hidrelétricas”:
    "A potência máxima de Belo Monte é de 11 GW e a média é de 4,6 GW. A relação desses dois valores dá o fator de capacidade de 42%, bem menor que os de Jirau e de Santo Antônio. Entretanto, em geral, as hidrelétricas brasileiras têm fator de capacidade pouco acima de 50%. Esse fator é de, em média, 21% nas hidrelétricas na Espanha, de 32% na Suíça, de 35% na França e no Japão, de 36% na China e de 46% nos EUA."
Então, mesmo utilizando em média 42% da sua capacidade, Belo Monte fica a frente da China e de vários países europeus.


80% DA OBRA SERÁ CUSTEADA COM DINHEIRO PÚBLICO – VERDADE

A mais pura verdade, assim como estradas, hospitais e outras obras de infraestrutura, como as dos estádios para a Copa de 2014 são financiadas. Inclusive o custo para o Brasil sediar a Copa está avaliado em R$ 112 bilhões, de acordo com um estudo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).

Alguém acha que construir estádios para Copa de 2014, estradas ou hospitais é dinheiro jogado fora? Acho que não né! E não é mesmo. 80% da obra de Belo Monte será financiada pelo BNDES, ou seja, não é uma doação. Essa grana será devolvida ao banco com juros e correção monetária em 30 anos.

Então é melhor mudar o foco, parar com o papo de que investimento em obras de infraestrutura é dinheiro jogado fora. Temos que nos preocupar mais é com a corrupção, o superfaturamento de cada obra, isso sim precisa ser resolvido, mas parar tudo que não pode.


BELO MONTE CUSTARÁ 30 BILHÕES DE REAIS – MEIA VERDADE (especulação)

De acordo com Célio Bermann, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP com doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp o custo da obra em 2006 era de R$ 4,5 bilhões. Em 2010 antes de ir para o leilão que definiu a operação e construção da usina o custo estimado já chegava a R$ 19 bilhões. Bermann afirma que hoje a obra está oficialmente orçada em R$ 26 bilhões, mas estima que não sairá por menos de R$ 32 bilhões, sem contar a possibilidade de superfaturamento.

A meu ver o valor de R$ 30 bilhões divulgado pela imprensa já considera o superfaturamento, coisa tão comum no Brasil. Alguns defendem, de forma equivocada, que o custo do projeto elevou devido às indenizações e deslocamento da população indígena que será afetada pela obra. Vamos combinar, um projeto que custa R$ 4,5 bilhões passar a custar R$ 30 bilhões por conta de deslocamento dos índios? Nesse preço, para qual planeta iriam?


Acredito que esses são os principais mitos e verdades falados por aí, existem outros mas eu precisaria escrever um livro para listá-los. Para acrescentar nessa desmistificação eu sugiro que assistam ao vídeo abaixo, trata-se de um engenheiro quebrando alguns mitos técnicos sobre Belo Monte, inclusive sobre a idéia inconsistente de substituir o projeto da usina hidrelétrica por energia solar o eólica, confira:


Caso tenha recebido essa publicação via RSS ou e-mail, clique aqui para ver o vídeo.


Para finalizar eu gostaria de sugerir a leitura indispensável de uma entrevista feita com Célio Bermann, um dos mais respeitados especialistas do país na área energética. Ele deixa claro que é contra o projeto de Belo Monte, e pelo o que ele diz na entrevista eu também me posicionaria contra o projeto. Bermann afirma que Belo Monte é apenas a ponta de um iceberg muito maior que vem por aí, um conjunto de hidroelétricas planejadas para a região do Xingu. A obra faz parte de um planejamento governamental muito mais amplo, um projeto 'estratégico' associado à forma como os nossos representantes políticos vêm a nossa matriz energética e o nosso modelo de desenvolvimento. Segundo ele atualmente há 77 projetos de usinas hidrelétricas somente na Amazônia que utilizam a "Síndrome do Blecaute" para se viabilizarem.

São aspectos extremamente importantes que não são discutidos quando o assunto é Belo Monte, como: a política no Brasil, o corporativismo, o conceito de desenvolvimento e o nosso comportamento. Clique aqui e confira a entrevista na íntegra.

Indico também este post do nosso parceiro Discutindo Ecologia, que fala do movimento “Tempestade em Copo D’Água” onde universitários mostram o outro lado da construção de Belo Monte, vale a pena conferir.

Agora me diz você, é Belo Monte ou Belo Monstro?