quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

''Impacto ambiental de Belo Monte foi ferozmente reduzido''


ESPECIAL

Pós-doutora em energia, a economista e professora da USP Virginia Parente critica a atuação de ambientalistas internacionais focada na preservação da Amazônia e conivente com o crescente uso do petróleo do mundo
A economista Virginia Parente, ex-executiva do mercado financeiro, defende a criação de um Copom energético

Por Josette Goulart | VALOR

De São Paulo
Em um ramo dominado pelas mais diferentes áreas da engenharia, a pós-doutora em energia, Virginia Parente, faz parte de uma minoria de economistas especializados e com atuação no setor. Aos 51 anos, a professora do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo ocupa hoje uma das duas cadeiras reservadas a conselheiros independentes da Eletrobras. Em sua primeira entrevista como membro do conselho, Virginia faz a defesa da usina hidrelétrica de Belo Monte e do uso da Amazônia para gerar energia. Ela critica a atuação de ambientalistas internacionais focada na preservação da Amazônia, mas conivente com o crescente uso do petróleo do mundo. Defende a criação de um comitê com status de Copom (Comitê de Política Monetária) para definir aproveitamentos hidrelétricos e de transmissão, para que licenciamentos ambientais sejam uma questão de governo. A conselheira revela que não existe preconceito na Eletrobras em relação a uma possível privatização das distribuidoras da empresa e defende a atual administração que, segundo ela, está preocupada em dar retorno econômico a seus acionistas. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: A conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável deste ano acontece no Rio e vai discutir basicamente a competitividade da energia renovável. O Brasil tem hoje essa energia sustentável para todos?
Virginia Parente: Nós devíamos ter muito orgulho de nossa matriz energética porque, comparada com a do mundo, nossa geração é muito melhor. Proporcionalmente temos muito mais energia vinda de fontes renováveis – hidreletricidade, biomassa, eólica – e há um esforço grande de universalização dos serviços de energia. Então eu creio que nós temos uma posição privilegiada e podemos vender os produtos ‘made in Brazil’ com esse selo, que o mundo tanto aprecia. Não quero dizer com isso que as fontes renováveis não tenham externalidades negativas, que é a expressão econômica, não tenham impactos na natureza, no ambiente ou mesmo impactos sociais relevantes, mas são muito menores do que outras fontes de energia.
Licença ambiental de hidrelétricas e de linhas de transmissão deveria ser tratada como os juros do Copom
Valor: Ambientalmente a questão da hidreletricidade é bastante controversa, basta ver os protestos em torno de usinas como a de Belo Monte. Grandes hidrelétricas são ambientalmente justificáveis?
Virginia: A hidreletricidade é mundialmente mais justificável do que energia gerada com qualquer combustível fóssil. Falo principalmente de óleos pesados, do próprio carvão, porque o efeito estufa é realidade e a energia é uma das principais fontes desse efeito. Se você tem energia ou algumas fontes que não causam efeito estufa e entre elas, a hidreletricidade, é claro que pula na linha de prioridade e fica na frente de outras. E mais uma vez com isso eu não quero dizer que ela não tenha problemas, porque tem. As novas renováveis, e estamos falando de eólica, biomassa moderna e energia solar, estão no varejo e não chegam a 3% da matriz mundial de oferta de energia. Então não se pode esperar resolver o problema de um mundo que está crescendo apenas com as novas renováveis. O Brasil consegue gerar mais de 90% de sua energia com renovável e desse total 98% é hidrelétrica, então não dá para se ter o sonho de uma noite de verão achando que se vai substituir isso num passe de mágica.
Valor: Isso significa que Belo Monte é um mal necessário?
Virginia: Belo Monte tem características boas e, como qualquer hidrelétrica de grande porte, ressalvas. Não tenho dúvidas de que o Brasil precisa de projetos estruturantes e de grande porte do ponto de vista energético. Não chamaria nem de mal necessário, pois Belo Monte está sendo atacada de vários lados, pelos que não gostam e os que gostam de hidreletricidade. Os que gostam porque acreditam que com as concessões ambientais feitas vai se gerar pouca energia. Mas não é pouca, são 4.500 MW de energia firme. Se pensar em Santo Antonio e Jirau, nenhum dos dois projetos chega a 4.000 MW.
Valor: As Organizações Não-Governamentais (ONGs), boa parte delas internacionais, criticam Belo Monte pelo fato de estar localizada em meio a Floresta Amazônica. É preciso explorar a Amazônia?
Virginia: O meu olhar sobre a Amazônia é a de que ela não é intocável. O cuidado é que tem que ser irretocável. O que significa que não se pode fazer um aproveitamento na Amazônia só do ponto de vista econômico, ou seja, pegar um rio ou um pequeno bioma e destruir. Colocar dez hidrelétricas em uma mesma região. Um estudo do WWF mostra que os rios funcionam como veias que drenam toda a floresta e se cortamos todas as veias, a região apodrece. Então não se pode usar a lógica apenas econômica. Mas a Amazônia não pode ser intocável do ponto de vista hidrelétrico.
Valor: O governo federal, entretanto, tem extrema preocupação com a modicidade tarifária.
Virginia: Se formos racionalizar, a prioridade de todo governo é a oferta de energia. Porque, se falta energia, é muito sofrimento. As empresas demitem, dão férias coletivas, a economia encolhe e as pessoas vão se formando e não conseguem emprego. A segunda prioridade é que é a modicidade tarifária. Por várias razões, mas principalmente por sermos um país eletro e energo-intensivo. Então parte importante do PIB é gerada com produtos nos quais a energia é um custo relevante. Além disso, a renda per capita do brasileiro não está entre as mais elevadas do mundo, o que significa que não dá para pagar contas elevadas de energia. Logo, a modicidade tarifária é uma meta importante pelo ponto de vista industrial e também do bem estar das famílias. Mas a questão da natureza se sobrepõe à modicidade tarifária. Os leilões de energia são feitos para perguntar quem faz da maneira mais econômica e competitiva um empreendimento, em uma região, onde um estudo prévio já foi feito e essa região já foi liberada.
Valor: Nos leilões de obras estruturantes, a participação da Eletrobras se tornou fator determinante de preço. A senhora concorda com esse papel assumido pela estatal?
Virginia: Existe um discurso que diz que sem a Eletrobras sobraria mais espaço para a iniciativa privada. Entretanto, eu vejo vantagens nesse mix de participações público e privadas. Quando a Eletrobras participa dos leilões o preço final costuma de fato ser mais baixo porque há ganhos dos dois lados. A empresa privada se sente confortável porque se tiver problemas na frente vai ter um parceiro cujo maior sócio é o governo brasileiro, e que de alguma forma vai estar do seu lado para explicar as contendas. A percepção de risco acaba sendo menor. Já para a Eletrobras é bacana ter um parceiro privado porque dá uma disciplina de custos mais fortes. O que se verificou no Brasil, historicamente, é que quando a Eletrobras não participa do leilão os preços são mais altos, então quem se apropria desses preços não é a população e sim o empreendedor. É uma combinação interessante. Os projetos são exaustivamente discutidos nas várias instâncias da Eletrobras e também no próprio conselho de administração do qual eu faço parte.
Não há preconceito em privatizar empresas distribuidoras, mas no momento a orientação é torná-las eficientes
Valor: No caso de Belo Monte, e até das usinas do Madeira, números como o retorno do investimento não chegaram ao conhecimento dos acionistas, mesmo depois de todos os contratos de fornecimento fechados. Não falta transparência?
Virginia: É possível que essa seja uma área que precisemos apertar mais, para que a comunicação melhore. Não é fácil comandar uma empresa que tem tantas pautas e o governo como um dos principais acionistas. É preciso satisfazer gregos e troianos e não perder eficiência. E controlar para que custos não fujam ao que foi planejado. E em uma empresa como a Eletrobras, com tradição maior em engenharia do que em economia, esse é um grande desafio. Eu pedi muitas explicações, como conselheira, da participação da Eletrobras em Belo Monte e essas informações me foram dadas. E pedi um olhar multidisciplinar: sociológico, de assistência social, de indenização justa, de minimização de impactos, de prioridade (precisamos começar mesmo por esse projeto?). Fiz um ‘check list’ de coisas que gostaria de saber para ser convencida, antes de dar um parecer favorável. E eu fui convencida.
Valor: Que argumentos foram mais fortes para lhe convencer?
Virginia: Sobretudo o de que não vai se fazer uma usina usurária. Você tem 11 mil MW instalados para aproveitar um terço disso justamente porque se abre mão de muitos impactos ambientais, que foram reduzidos. Foram extremamente reduzidos. Ferozmente reduzidos. A ponto de ter sido questionado, tecnicamente, se valia à pena construí-la. Vale, porque o Brasil precisa de quantidades expressivas de energia. O Brasil tem uma legislação ambiental das mais rigorosas do mundo, então aprovar milhares de projetos em picadinho é muito complicado. E com Belo Monte se tem, em uma tacada, quantidade de energia que dá segurança energética ao sistema. Uma Pequena Central Hidrelétrica, por exemplo, vai até no máximo 50 MW. Precisaríamos de 300 PCHs para equivaler a uma Belo Monte. Imagina aprovar 300 projetos, encontrar 300 rios aproveitáveis, fazer com que 300 pequenas obras ficassem prontas ao mesmo tempo. E sem contar que elas custariam duas ou três vezes por unidade de energia o preço do megawatt da grande hidrelétrica.
Valor: Esse pensamento vale para a eólica?
Virginia: A eólica tem uma questão mais grave em relação à intermitência e falta de um histórico maior de medição de vento. Não se tem ainda certeza do fluxo de energia. E mesmo que se tenha, a eólica exige um ‘back up’. Para preservar água no reservatório, por exemplo. Onde vai estocar a energia eólica? Bateria é impensável. Não existe essa tecnologia. A água é a forma de estocar logo, ainda precisamos desse mix de energia, que reduz riscos de abastecimento. Mas é fato que nossa eólica está se comportando quase como uma energia de atacado. Começou com pequenas fazendas e agora elas estão tão grandes que quase são comparadas a hidrelétricas de médio porte. Aí surge outra questão que é como equacionar essa energia que vai entrar nos sistemas de transmissão. Esse é o novo desafio da energia eólica. Estamos falando de parques que vão produzir 250 MW, 100 MW de uma vez. São quantidade expressivas e têm impacto na rede de transmissão. E não temos tradição de transmitir energia eólica nesse montante. Nem o mundo tem.
Valor: Isso pode trazer algum tipo de instabilidade para o sistema?
Virginia: Não. Isso traz desafios de como equacionar o comportamento da eólica, que antes era de varejo.
Valor: A cada mês as atas das reuniões do Conselho de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) apontam para um percentual maior de linhas de transmissão atrasadas. A explicação cai, invariavelmente, em problemas de licenciamento ambiental. É esse, de fato, o único problema?
Virginia: Eu acho que o maior problema é de fato esse e eu gostaria que essa questão de licenciamento ambiental no Brasil fosse tratada como os juros do Copom [Comitê de Política Monetária]. Ninguém questiona judicialmente quando o Copom se reúne e estabelece juros, pois existe um respeito e um entendimento de que o melhor esforço foi feito e que aquele nível de juros é o necessário para que se tenha uma estabilização. Quando se define um projeto de energia não existe essa governança, esse consenso, esse respeito. Não existe esse fórum privilegiado. Não existe um Copom com a mesma força na área de energia. Então é necessário que se consiga transformar o Comitê de Política Energética em um Copom, capaz de decidir pelo menos pior. Toda vez que se sobe juros tem um lado positivo e um lado negativo. Os juros são elevados para controlar a inflação, para desacelerar a economia. Mas tem o lado ruim de desacelerar. Sempre tem o lado ruim. Mesmo quando se define leiloar um aproveitamento elétrico para um parque eólico, os efeitos negativos ambientais existem. Os aproveitamentos deveriam ser concedidos e determinados por um Comitê reconhecido, pelo governo que os brasileiros votaram. Precisaríamos ter uma orquestração na área de energia e de meio ambiente – que agora se tornou mais fácil pelas pessoas que estão nesses cargos e que têm um entendimento pessoal maior. Poderia depender menos das pessoas e de um arranjo institucional mais robusto. É claro que devemos ter discussão ampla para licenciamento, questionamentos. Mas os atrasos são complicados. Os bancos não deixam de subir juros por causa de liminares, mas os projetos de energia deixam de ser feitos porque entram uma enxurrada de liminares depois de a licença ter sido aprovada. Tivemos anos de ‘default’ termelétrico no Brasil. Foram tantas liminares que o governo se viu acuado, “vai faltar energia”, então construiu térmicas até que se resolvesse isso. E fizemos térmicas mais caras, mais poluentes.
Valor: E poucos protestaram…
Virginia: O mundo acadêmico protestou. Mas é impressionante ver os ambientalistas se preocupando com a Amazônia e não com o pré-sal, por exemplo, que está aí a quilômetros de profundidade no mar. Se acidentes acontecem no Golfo do México por que não se tem a mesma metralhadora tão possante como a que foi usada contra Belo Monte? Tem uma coisa de ideologia internacional em que se tem aceitação de petróleo muito mais forte do que hidreletricidade, o que é uma desinformação muito grande do meu ponto de vista.
Valor: Mas o fato é que 76% dos projetos de transmissão estão atrasados. Isso pode eventualmente significar um desabastecimento?
Virginia: Claro que atrasos preocupam. Mas as linhas atuais são robustas para suportar os próximos anos de crescimento. E em infraestrutura se trabalha com folga. Ainda com atrasos, não acho que vá ocorrer desabastecimento. Pode acontecer de projetos que contavam em antecipar seus fluxos de caixa serem impactados. Um projeto hidrelétrico que ficou pronto seis meses antes, e a linha não acompanhou, o empreendedor não vai ter esse ‘upside’ do investimento. E isso pode prejudicar a rentabilidade do projeto e ser contabilizado como risco em projetos futuros, exigindo preços mais elevados, o que prejudica a modicidade tarifária. Não vejo risco de abastecimento, mas potencial encarecimento de projetos futuros.
Valor: No Estado de Goiás existe um problema sério, apontado pelo próprio CMSE, de que algumas linhas vão atrasar a entrega da energia para algumas empresas.
Virginia: Certamente é possível ter problemas pontuais. Mas no cômputo do Brasil como um todo não vejo problema grave porque tínhamos um PIB programado para crescer 4% ou 5% ao ano, e que não vai se concretizar. Quando o PIB baixa para 3,5%, se tem uma sobra de capacidade muito grande. Sobra de linhas de transmissão também. Eventualmente em uma região ou outra é possível que aconteça algum gargalo, mas se olhar de maneira macro, a desaceleração mundial se reflete aqui e acaba dando uma folga grande.
Valor: Ainda falando de Goiás, recentemente a Eletrobras divulgou que vai ser sócia da Celg, distribuidora de energia do Estado. A estatal tem capacidade de absorver a Celg, visto que ela tem seis distribuidoras sob sua administração há mais de uma década e até agora não as tornou eficientes?
Virginia: A situação da Celg é completamente diferente da situação das outras distribuidoras que a Eletrobras tem gerenciado. A Celg está em região muito boa e proporcionalmente tem baixa inadimplência. Tem qualidade boa de recebíveis futuros. Ela deve tributos, encargos e etc, e por isso não tem direito a reajustar a tarifa, o que a torna deficitária. Mas é um problema administrativo que eu diria que não é crônico, é um problema sanável. A Celg tem potencial de recuperação muito grande e é uma forma para a Eletrobras reaver os recebimentos atrasados que tem lá. Essa operação foi exaustivamente discutida no conselho e todos chegamos à conclusão de que seria uma operação importante e interessante de ser feita. A questão das outras distribuidoras é um ponto que sempre revisitamos e queremos que elas se tornem mais eficientes, mas é uma situação mais complexa e de solução de mais longo prazo.
Valor: A privatização seria uma boa saída para as seis distribuidoras federalizadas?
Virginia: Eu não posso me manifestar em relação a isso porque o que eu penso vai se confundir com o que o conselho ou a Eletrobras pensam. Não sei nem como posso abordar esse ponto, acho que nem poderia responder a pergunta. O que eu diria, sem dúvida de estar falando a verdade, é que não há preconceito com a privatização e que isso é sempre questionado por um ou outro gestor. Sempre se volta a pensar sobre esse assunto. Será que não vale à pena? Mas por enquanto a orientação é: vamos tentar mais um pouco e fazer o melhor. Vamos continuar tentando transformar essas empresas para que deem retorno. E começa com a redução da inadimplência desses locais, que é altíssima. Mas não há preconceito, isso posso lhe garantir, quanto a privatizar ou não.
Valor: A Eletrobras é uma boa ação para seus acionistas?
Virginia: Ela tem retorno contábil, mas ainda não tem retorno econômico atraente. Mas está no caminho mais acelerado para isso, atualmente, porque o presidente José da Costa é preocupado com a eficiência econômica e não só com qualidade técnica. Pequenas melhoras podem dar um resultado muito grande. As ações estão defasadas em relação ao potencial.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Cristina ,realismo e magia.



Cristina, realismo e magia

Clóvis Rossi


O problema de saúde da presidente é fácil de explicar e, por isso, dispensa especulações

O caso Cristina Kirchner poderia se transformar em mais uma história de realismo mágico de que a América Latina é prenhe.

Cronologia: uma presidente popular, que acaba de receber uma votação espetacular, mal tomou posse (de novo), tem detectado um câncer na tireoide, com o todo o caráter fantasmagórico que a palavra câncer desperta até hoje.

A presidente se opera, em meio a uma vigília de seus seguidores, pertencentes ao multifacetado peronismo, carregado de misticismo e uma estranha relação com a doença/morte de seus ícones.
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Lembro-me de uma visita, em 1975, salvo erro de memória, à quinta presidencial de Olivos, para ver o corpo embalsamado de Evita Perón, ao lado do caixão fechado do marido, o general Juan Domingo Perón, morto no ano anterior. Era impressionante ver do alto a linda mulher loira em seu vestido branco e um penteado que parecia ter sido feito minutos antes, embora ela tivesse morrido já fazia então 23 anos.

Lembro-me também do susto que tomaram meus filhos, ainda crianças, quando os levei para ver o túmulo de Evita, no cemitério da Recoleta, justo em um dos muitos dias de culto à memória de "María Eva de los Desamparados". O grupo de peronistas em volta do túmulo cantava: "Se siente, se siente, Evita está presente" -e meus filhos, ignorantes então da mística que acompanha o peronismo, acharam que de fato Evita estava presente.

Quando saiu a notícia de que Cristina não tinha o câncer oficialmente anunciado, até entendi, por esse passado todo, que Ricardo Roa, editor-adjunto do "Clarín", gritasse que ela "se operou de um câncer que não tinha" e, ainda por cima, "sofreu uma mutilação desnecessária".

Mas, para quem prefere fatos, ainda que pouco espetaculares, ao realismo mágico, repasso então informações do médico em quem mais confio, por acaso chamado Cláudio Rossi, meu irmão. A confiança não vem só do sangue, mas das abundantes provas de competência extrema que já deu, além do fato de ser especialista em diagnóstico por imagem, o que no mínimo o aproxima do caso Cristina.

Informação 1 - É absolutamente comum que apareçam células não tão perfeitas no tipo de punção a que a presidente foi submetida. Ou seja, é perfeitamente possível que o exame patológico detectasse "falso positivo", como dizem os médicos.

Informação 2 - A cirurgia é o procedimento indicado para ver se o "positivo" é ou não falso. "E, quando você está com a paciente aberta à mesa, só vai saber se o positivo é falso ou não depois de tirar o pedaço afetado", diz Cláudio.

Informação 3 - Meu irmão, há alguns anos, teve detectados nódulos no pulmão. Só quando abriram e tiraram um segmento é que se comprovou que não era câncer. Fica claro, pois, que, não houve uma "mutilação desnecessária", mas inevitável (em ambos os casos).

Tudo somado, "o que aconteceu com Cristina Kirchner poderia ter acontecido com a Cristina Rossi", minha sobrinha (e filha dele), conclui meu irmão.

É melhor que seja assim: já é tempo de a América Latina conviver mais com o realismo do que com a magia, principalmente quando esta envolve misticismo.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Umberto Eco e os 80 anos de um filósofo que escreve romances


Recolhido no blog do nassif/fora de pauta (não há link)
Da Deutsche Welle
Cultura | 05.01.2012Umberto Eco e os 80 anos de um filósofo que escreve romances   olhar para além das convençõesEco: olhar para além das convençõesUm dos pensadores mais originais e populares da atualidade, ele misturou trama policial e erudição histórica, criando um gênero literário novo. No entanto, a atividade do "jovem romancista" italiano começou "por tédio". 


Do lado de fora da Universidade da Calábria reina o caos: centenas de pessoas se aglomeram diante da entrada, gritam, escandem palavras de ordem, protestam, batem nas portas de vidro. Dentro, os funcionários tentam contê-las, gesticulam desesperados: "Não tem mais lugar, não tem mais lugar!".
Mas os estudantes não se conformam: eles querem ver seu ídolo. Um astro pop, ator de sucesso, político populista? As aparências enganam: quem vai se apresentar naquela tarde de novembro é alguém que se define, acima de tudo, como professor e se dedica a disciplinas geralmente consideradas maçantes e incompreensíveis: semiótica, linguística, estética medieval.
Jovem romancista de 80 anos
"Umberto Eco? Ah, claro, O nome da rosa!"
Assim reage a maioria das pessoas ao ouvir o nome do italiano que completa 80 anos nesta quinta-feira (05/01). Mas a história da projeção internacional do intelectual nascido em Alessandria, Piemonte, é bem mais do que esse best-seller. Mesmo em se tratando de um que já foi vendido aos milhões, traduzido em mais de 40 línguas, transformado em superprodução cinematográfica e até em videogame. Mesmo que, ao lançar em 1980 essa combinação de romance policial e obra de erudição, seu autor tenha criado não só um gênero literário original, como uma referência cultural universal.
A atividade pela qual Eco é, hoje, conhecido no mundo inteiro iniciou-se quase como hobby – ou "por puro tédio", como reza a lenda. Condizentemente, a tiragem inicial de O nome da rosa, pela casa Bompiani, foi de apenas 2 mil exemplares. E isso, só porque o filósofo trabalhara de 1959 a 1975 na editora italiana: um favor entre colegas, por assim dizer.
Por ocasião do 80º aniversário de Eco, foram lançadas em inglês e alemão suas Confissões de um jovem romancista. O título é desconcertante, mas justificável: como alguém que começou a atividade de autor de ficção aos 50 anos de idade, até alguns anos atrás ele se considerava "um romancista ainda jovem e seguramente muito promissor". Depois do sucesso de BaudolinoO pêndulo de Foucault,A ilha do dia anterior e O cemitério de Praga, ele ainda pretende apresentar muitas novas obras, nas próximas décadas. Embora se defina, até hoje, como um "amador".
Idade Média, hoje
Contra a vontade do pai, contador de profissão, Umberto começou os estudos de Filosofia e História da Literatura em 1948, na Universidade de Turim. Oito anos mais tarde, ele escolhia a estética do teólogo Tomás de Aquino (1225-1274) como tema para sua dissertação. Desde então, a paixão pela época medieval nunca mais abandonou Umberto Eco.
Em certa ocasião, ele explicou da seguinte maneira por que se sente mais à vontade naquela época – na qual situou O nome da rosa – do que na contemporânea: com a Idade Média ele tem contato profundo, através dos livros, dos registros em arte e arquitetura, de suas próprias reflexões e viagens pela Europa, enumerou. Os dias de hoje, por outro lado, só conhece pela televisão.
Tal irreverência é bem típica de Umberto Eco e ilustra, em especial, duas de suas características: o humor – quem o conhece de perto sabe que ele adora rir – e sua originalidade como pensador, a ruptura com os conceitos convencionais sobre a cultura.
Sean Connery estrelou 'O nome da rosa' no cinemaSean Connery estrelou 'O nome da rosa' no cinema
Alta cultura, baixa cultura
Já em Obra aberta, de 1962, que lhe rendeu fama imediata como teórico brilhante, ele lançava uma tese então inédita: longe de ser uma entidade fechada em si, toda obra de arte que merece esse nome passa a existir no contato com o receptor, e renasce a cada nova interação com um novo espectador ou ouvinte. A fruição artística é, na verdade um diálogo.
Nos anos seguintes, enquanto a maioria de seus colegas acadêmicos se restringia aos temas mais inacessíveis e complexos, defendendo avidamente o próprio terreno, da erudição, Eco voltava os olhos para o grande mundo. E falava de James Bond, da televisão, de histórias em quadrinhos, de telefonia celular. E assim, suas publicações teóricas trazem títulos quase tão suculentos quanto seus romances: Apocalípticos e integradosPasseios pelos bosques da ficçãoHistória da belezaHistória da feiúraEntre a mentira e a ironia.
A cultura segundo Eco é permeável, liberal. Como intelectual e teórico, sua função é sempre olhar por cima do muro das verdades prontas. Acima de tudo, ele rejeita a divisão entre a alta e a baixa cultura – ou, pelo menos a tradicional hierarquia, segundo a qual a cultura popular seria inferior.
Numa entrevista, ele provou mais uma vez seu talento de tornar compreensíveis os raciocínios mais complexos, com a seguinte imagem: enquanto os livros escolares nos ensinavam a guerra, a matar tudo que não seja italiano, Mickey Mouse nos apresentava valores democráticos. Qual dessas duas formas é mais elevada?
Casa e família
Apesar de todo o inconformismo intelectual, Umberto Eco é um pacato homem de família. Desde 1962 é casado com a alemã Renate Ramge – especialista em museologia e arte –, com quem tem um filho e uma filha.
Entre os paradoxos que envolvem esse ícone da cultura ocidental está também o fato de jamais ter morado muito longe de sua cidade natal, no norte da Itália. Isso, apesar de viajar por todo o mundo e de circular livremente pelas principais universidades e outras instituições culturais. Dividida entre Milão e Monte Cerignone (próxima a Rimini), sua biblioteca particular abarca cerca de 50 mil volumes.
De volta à Universidade da Calábria: protegido por guarda-costas e cercado de jornalistas e fotógrafos, Umberto Eco entra pela porta dos fundos, pronto para iniciar sua "palestra ilustrada sobre a feiúra". Os afortunados espectadores que enchem o auditório estão preparados para surpresas e revelações. Mas uma coisa é certa: os próximos 90 minutos serão tudo, menos acadêmicos, áridos ou esotéricos.
Autor: Augusto Valente
Revisão: Alexandre Schossler