Esta matéria, CONTA TUCANO, foi publicada na revista ISTOÉ, edição 1741, de 12 de fevereiro de 2003. Amaury Ribeiro Jr é autor do livro A PRIVATARIA TUCANA, lançado em dezembro de 2011, em que denuncia José Serra e sua filha Verônica ,entre outros, por atos de corrupção nas privatizações do governo FHC.
Investigações
revelam que o ex-caixa de campanha do PSDB movimentou US$ 56 milhões por
intermédio de contas no Banestado dos EUA
Amaury Ribeiro
Jr. de Foz do Iguaçu, Sônia Filgueiras e Weiller Diniz
Documentos a que
ISTOÉ teve acesso começam a esclarecer por que o laudo de exame financeiro nº
675/2002, elaborado pelos peritos criminais da PF Renato Rodrigues Barbosa,
Eurico Montenegro e Emanuel Coelho, ficou engavetado nos últimos seis meses do
governo FHC, quando a instituição era comandada por Agílio Monteiro e Itanor
Carneiro. Nas 1.057 páginas que detalham todas as remessas feitas por doleiros
por intermédio da agência do banco Banestado em Nova York está documentado o
caminho que o caixa de campanha de FHC e do então candidato José Serra, Ricardo
Sérgio Oliveira, usou para enviar US$ 56 milhões ao Exterior entre 1996 e 1997.
O laudo dos peritos
mostra que, nas suas operações, o tesoureiro utilizava o doleiro Alberto
Youssef, também contratado por Fernandinho Beira-Mar para remeter dinheiro sujo
do narcotráfico para o Exterior. Os peritos descobriram que todo o dinheiro
enviado por Ricardo Sérgio ia parar na camuflada conta número 310035, no banco
Chase Manhattan também em Nova York (hoje JP Morgan Chase), batizada com o
intrigante nome “Tucano”. De acordo com documentos obtidos por ISTOÉ, em apenas
dois dias – 15 e 16 de outubro de 1996 – a Tucano recebeu US$ 1,5 milhão. A
papelada reunida pelos peritos indica que o nome dado à conta não é uma casualidade.
Os dois responsáveis
pela administração da dinheirama, segundo a perícia, são figurinhas carimbadas
nos principais escândalos envolvendo o processo de privatização das teles e
auxiliares diretos de Ricardo Sérgio: João Bosco Madeiro da Costa, ex-diretor
da Previ (o fundo de pensão do Banco do Brasil) e ex-assessor do caixa tucano
na diretoria internacional do BB, e o advogado americano David Spencer. A
perícia revela ainda que Spencer é procurador de Ricardo Sérgio em vários
paraísos fiscais. Ao perseguir a trilha do dinheiro, os peritos descobriram que
os milhões de Ricardo Sérgio deixavam o País por intermédio de uma rede de
laranjas paraguaios e uruguaios contratados por Youssef e eram depositados na
conta 1461-9, na agência do Banestado em Nova York antes de pousar na emplumada
Tucano, que contava com uma proteção especial para dificultar sua localização.
Ela estava registrada dentro de outra conta no Chase em nome da empresa Beacon
Hill Service Corporation. De lá, o dinheiro era distribuído para contas de
Ricardo Sérgio e de João Bosco em paraísos fiscais no Caribe.
A perícia traz outras
provas contundentes. A PF conseguiu comprovar que parte do dinheiro enviado por
intermédio do Banestado retornou ao Brasil para concretizar negócios desse
mesmo grupo. Segundo o laudo, o dinheiro voltava embarcado em uma conta-ônibus
junto com recursos de várias offshores (empresas em paraísos fiscais com
proprietários sigilosos) operada pelo próprio João Bosco.
Os peritos
conseguiram, por exemplo, identificar o retorno de US$ 2 milhões utilizados
para comprar um apartamento de luxo no Rio de Janeiro em nome da Rio Trading,
uma empresa instalada nas Ilhas Virgens Britânicas. Foram rastreados também
imóveis em nome da Antar, sediada no mesmo paraíso, em nome de Ronaldo de
Souza, que, segundo a PF, é sócio, procurador e testa-de-ferro de Ricardo
Sérgio.
Pelas características
dos depósitos, que eram frequentes, suspeita-se que, por esse mesmo duto de
lavagem, também passaram contribuições de campanha. Além disso, Youssef tinha
em sua carteira principalmente dois tipos de clientes: narcotraficantes e
políticos. O laudo concluiu ainda que Ricardo Sérgio, enquanto ocupava o cargo
de diretor internacional do BB, ajudou a montar o esquema bancário que operava
com dinheiro de doleiros na fronteira, depois transferido para a agência
nova-iorquina do Banestado.
Os documentos
anexados ao laudo provam o envolvimento do advogado e procurador de Ricardo
Sérgio, David Spencer, na abertura e movimentação da conta 1461-9, em nome da empresa
June International Corporation. Um ofício do gerente do Banestado, Ercio
Santos, encaminhado ao doleiro Youssef em 20 de agosto de 1996, atribui a
Spencer a responsabilidade pela abertura da conta. “Segue cópia dos documentos
referentes à abertura da June, em 8 de agosto de 1996. Recebemos hoje do David
Spencer”, diz a primeira linha da correspondência na qual Ercio informa Youssef
a respeito dos procedimentos para movimentação da conta. Na carta, Youssef é tratado
intimamente por “Beto” e, ao se despedir, o gerente manda “um grande abraço”.
Ercio Santos sabia
que mexia com dinheiro sujo. Informa, no documento, que preferiu não enviar
selo da June por malote para não chamar a atenção. O selo, uma espécie de
carimbo metálico, traz a identificação da empresa no paraíso fiscal onde foi
instalada. A perícia comprovou também que, além do dinheiro do tucanato,
Spencer ajudou a lavar recursos desviados do Banco Noroeste e do Nacional.
Casado com uma brasileira, o americano conheceu Ricardo Sérgio no Brasil quando
o ex-diretor do BB ocupava um cargo de direção no Citibank. Por falar português
fluentemente, tornou-se advogado de banqueiros brasileiros no Exterior.
Como procurador de
Ricardo Sérgio, conforme o relatório, Spencer abriu em 1989 a empresa Andover
International Corporation nas Ilhas Virgens Britânicas. Spencer – que era
também tabelião em Nova York – tinha respaldo legal para fechar as compras de
imóveis no Brasil em nome das empresas offshore de Ricardo Sérgio e sua turma,
mantendo os nomes dos verdadeiros donos em sigilo. Em uma dessas operações em
1989, por exemplo, Spencer lavrou uma procuração em nome do engenheiro Roberto
Visneviski, outro sócio do tesoureiro tucano, para representar a empresa
Andover na compra de um conjunto de salas na avenida Paulista, avaliado em R$ 1
milhão.
Para especialistas em
lavagem de dinheiro, a operação é suspeita porque Visneviski assina duas vezes
a transação: como vendedor e como comprador. “Obviamente, a Andover é do
próprio Ricardo Sérgio. Foi uma operação clássica de internação de dinheiro”,
avalia o jurista Heleno Torres, um especialista na investigação de operações de
lavagem. Essa é apenas uma das 137 contas que já estão periciadas nos
inquéritos. Por elas trafegaram US$ 30 bilhões. A polícia calcula que mais de
90% dessa montanha de dinheiro é ilegal, mais da metade resultado de sonegação
de impostos através de caixa 2.
Reação
– As denúncias publicadas na última edição de ISTOÉ que revelaram a sangria via
Banestado caíram como uma bomba dentro do governo. Já no sábado 1º, um assessor
direto do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, procurou o diretor-geral
da Polícia Federal, Paulo Lacerda, pedindo informações sobre o laudo. Depois de
conversar com o delegado Antônio Carlos Carvalho de Souza, atual responsável
pelo caso, e com os peritos que trabalharam no escândalo, Lacerda comandou o
reagrupamento de todos os policiais que já participaram da operação. Na
quinta-feira 6, o chefe da PF reuniu a equipe e determinou a criação de uma
força-tarefa da PF em parceria com o Ministério Público e com a Justiça.
Além de Carvalho, o
delegado José Francisco Castilho Neto e os peritos Eurico Montenegro e Renato
Rodrigues, que buscaram junto ao FBI e organizaram toda a documentação
existente hoje no Brasil, estão de volta às investigações. Os três haviam sido
colocados na geladeira durante a administração tucana na PF. “É o maior caso de
evasão de divisas que eu conheço”, admitiu Lacerda na quinta-feira 6. “Vamos
investigar tudo e não cederemos a pressões de qualquer natureza”, adverte o
ministro Márcio Thomaz Bastos, antecipando-se a eventuais novos nomes que o
dossiê-bomba da PF venha a revelar.
O grupo, reforçado
por dois escrivães, voltará aos EUA nas próximas semanas para buscar os
documentos que trazem as movimentações bancárias no biênio 1998-1999. Até
agora, o trabalho dos peritos foi um exercício de abnegação. “O número de
peritos é pequeno para o volume de informações que está sendo investigado”, diz
o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Roosevelt
Júnior. A divulgação do laudo também provocou uma corrida de procuradores que
investigam separadamente casos de lavagem em vários Estados.
O procurador
Guilherme Schelb, que apura outros casos de lavagem, pediu o bloqueio das três
contas suíças do contrabandista e traficante foragido João Arcanjo Ribeiro. O
procurador Luís Francisco de Souza, que rastreia os passos de Ricardo Sérgio,
também quer ter acesso aos laudos produzidos pela PF. O cearense José Gerin não
perdeu tempo. Desembarcou em Foz do Iguaçu esta semana para buscar detalhes
sobre a quadrilha de doleiros que opera na região Nordeste, entre eles Wilson
Roberto Landim, preso há duas semanas, que, pelos documentos, remeteu para o
Exterior quase US$ 1 milhão em apenas seis meses.
OS BONS COMPANHEIROS
Principal articulador
da formação dos consórcios que disputaram o leilão das empresas de
telecomunicações, o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil,
Ricardo Sérgio de Oliveira, saiu das sombras do tucanato ao ser captado num
grampo do BNDES em que dizia ao ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros que iria
conceder uma carta de fiança ao consórcio coordenado pelo Banco Opportunity.
“Estamos agindo no limite da irresponsabilidade”, disse Ricardo Sérgio no
grampo. Depois da revelação, Ricardo Sérgio passou a sofrer uma série de
investigações no MP e na PF. Acusado de receber propina de empresas que
participaram da privatização, Ricardo Sérgio está sendo investigado também por
enriquecimento ilícito.
Ao assumir o cargo em
1994, convidou para chefe de gabinete o seu fiel escudeiro João Bosco Madeiro
da Costa. Por indicação do ex-diretor do BB, Madeiro foi posteriormente para o
cargo de diretor de investimentos da Previ, o milionário fundo de pensão do BB
que participa do controle acionário da maior parte das teles privatizadas.
Relatórios da Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da
Previdência, revelaram que Madeiro centralizava todo o poder de negociação do
fundo com grandes empresas. Segundo o Ministério Público, Madeiro também é
suspeito de enriquecimento ilícito.