sexta-feira, 19 de julho de 2013

Pesquisa: farisaísmo e corrupção cotidiana do brasileiro

Em 05/11/2012, o sítio 'Consultor Jurídico (www.conjur.com.br) publicou esta pesquisa sobre a corrupção cotidiana do brasileiro, com base em informações da BBC Brasil.

Coincidentemente, também num 05 de novembro, mas de 2005, publiquei na coluna 'Tribuna' do jornal 'MogiNews', de Mogi das Cruzes, um pequeno texto sobre essa mesma prática do brasileiro, com foco na cidade, reproduzido logo abaixo desta matéria. 

Vira e mexe, e voltamos sempre ao ponto: o farisaísmo indignado dos que julgam 'corrupção' apenas a do outro, em especial, a do setor público.
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Pesquisa mostra 10 práticas de corrupção do brasileiro


Quase um em cada quatro brasileiros (23%) afirma que dar dinheiro a um guarda para evitar uma multa não chega a ser um ato corrupto, de acordo com uma pesquisa feita pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e o Instituto Vox Populi. Os números refletem o quanto atitudes ilícitas, de tão enraizadas em parte da sociedade brasileira, acabam sendo encarados como parte do cotidiano. As informações são da BBC Brasil.
"Muitas pessoas não enxergam o desvio privado como corrupção. Só levam em conta a corrupção no ambiente público", diz o promotor de Justiça Jairo Cruz Moreira. Ele é coordenador nacional da campanha do Ministério Público. Como lida diariamente com o assunto, Moreira ajudou a BBC Brasil a elaborar uma lista de dez atitudes que os brasileiros costumam tomar e que, por vezes, nem percebem que se trata de corrupção. Veja quais são elas:
- Não dar nota fiscal

- Não declarar Imposto de Renda
- Tentar subornar o guarda para evitar multas
- Falsificar carteirinha de estudante
- Dar/aceitar troco errado
- Roubar TV a cabo
- Furar fila
- Comprar produtos falsificados
- No trabalho, bater ponto pelo colega
- Falsificar assinaturas

"Aceitar essas pequenas corrupções legitima aceitar grandes corrupções", afirma o promotor. "Seguindo esse raciocínio, seria algo como um menino que hoje não vê problema em colar na prova ser mais propenso a, mais pra frente, subornar um guarda sem achar que isso é corrupção", diz.
Segundo a pesquisa da UFMG, 35% dos entrevistados dizem que algumas coisas podem ser um pouco erradas, mas não corruptas, como sonegar impostos quando a taxa é cara demais.
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A corrupção cotidiana


A leitura apressada dos jornais e revistas pode sugerir que a corrupção foi inventada a partir das eleições de 2002. Os mais atentos, porém, sabem que isso vem de longe, desde o Império, e permeia a história política e econômica brasileira.

A construção de Brasília foi “aquela” farra-do-boi. Na época de Sarney tivemos o verdadeiro homem-da-mala-preta, hoje vestal da moralidade querendo acabar com “aquela raça”. Em 1997, a compra dos votos que garantiram a emenda da reeleição. Além do periódico perdão das dívidas dos ruralistas.

Mas a campeã – que a História haverá de demonstrar – foi a mágica da privataria, em que parte do patrimônio público foi torrado sob o pretexto do equilíbrio das contas nacionais. A evaporação dos 104 bilhões de dólares arrecadados provocou a triplicação da dívida externa, além da quebra do país. Não satisfeitos, querem agora voltar para liquidar o que sobrou.

Entretanto, se esses fatos provocam a indignação da sociedade – catarse das frustrações do dia a dia –, o mesmo não acontece com as mazelas do cotidiano, essa corrupção no varejo, quase “normal”. Não se considere aqui os estacionamentos em fila dupla ou em locais proibidos, “só por um minutinho”, nem a fila do banco furada pelos “clientes preferenciais”. Essas pequenas patifarias apenas refletem a mentalidade dominante de se “levar vantagem em tudo”. Certo?

Trata-se aqui da corrupção miúda, permanente, que, somada ao final de um ano, coloca no bolso (epa!) qualquer mensalão. Por exemplo, essa “sugestão” das autoescolas, denunciada novamente por este Mogi News. Sim, há três anos eram R$30,00 para “apressar a papelada”; agora, R$250,00 para “passar” no exame de direção, o que envolveria a Ciretran. Quantos exames são feitos por ano em Mogi, com seus quase 400 mil habitantes? E no Brasil, quase 200 milhões? Já calcularam a grana que rola? E só em carteiras de habilitação; imagine o resto.

Facilidades. Se há quem venda é porque há quem compre, e nisso todos se igualam. Há exceções, entretanto: o empreiteiro Adevair Ferreira, mesmo reprovado em dois exames, não se submeteu à “sugestão” dos R$250,00 e botou a boca no trombone. Um exemplo de coragem cidadã e de resistência ao império da malandragem.

Falando francamente: cada um de nós tem recusado as “sugestões” cotidianas, marca registrada da esperteza e da anticidadania? Que o exemplo de Adevair frutifique, pois sem a negação diária do “jeitinho”, esta continuará sendo – deitada eternamente – uma nação de segunda classe. E de cidadãos idem.

Cid Cancer – (05/11/2005)