quarta-feira, 29 de junho de 2011

Se beber, não dirija...


O que você não leu na mídia sobre Paulo Renato (1945-2011)

Idelber Avelar



Morreu de infarto, no último dia 25, aos 65 anos, Paulo Renato Souza, fundador do PSDB. Paulo Renato foi Ministro da Educação no governo FHC, Deputado Federal pelo PSDB paulista, Secretário da Educação de São Paulo no governo José Serra e lobista de grupos privados. Exerceu outras atividades menos noticiadas pela mídia brasileira.
Nas hagiografias de Paulo Renato publicadas nos últimos dois dias, faltaram alguns detalhes. A Folha de São Paulo escalou Eliane Cantanhêde para dizer que Paulo Renato deixou um “legado e tanto” como Ministro da Educação. Esqueceu-se de dizer que esse “legado” incluiu o maior êxodo de pesquisadores da história do Brasil, nem uma única universidade ou escola técnica federal criada, nem um único aumento salarial para professores, congelamento do valor e redução do número de bolsas de pesquisa, uma onda de massivas aposentadorias precoces (causadas por medidas que retiravam direitos adquiridos dos docentes), a proliferação do “professor substituto” com salário de R$400,00 e um sucateamento que impôs às universidades federais penúria que lhes impedia até mesmo de pagar contas de luz. No blog de Cynthia Semíramis, é possível ler depoimentos às dezenas sobre o que era a universidade brasileira nos anos 90.
Ainda na Folha de São Paulo, Gilberto Dimenstein lamentou que o tucanato não tenha seguido a sugestão de Paulo Renato Souza de “lançar uma campanha publicitária falando dos programas de complementação de renda”. Dimenstein pareceu desconsolado com o fato de que “o PSDB perdeu a chance de garantir uma marca social”, atribuindo essa ausência a uma mera falha na campanha publicitária. O leitor talvez possa compreender melhor o lamento de Dimenstein ao saber que a sua Associação Cidade Escola Aprendiz recebeu de São Paulo a bagatela de três milhões, setecentos e vinte e cinco mil, duzentos e vinte e dois reais e setenta e quatro centavos, só no período 2006-2008.
Não surpreende que a Folha seja tão generosa com Paulo Renato. Gentileza gera gentileza, como dizemos na internet. A diferença é que a gentileza de Paulo Renato com o Grupo Folha foi sempre feita com dinheiro público. Numa canetada sem licitação, no dia 08 de junho de 2010, a FDE da Secretaria de Educação de São Paulo transfere para os cofres da Empresa Folha da Manhã S.A. a bagatela de R$ 2.581.280,00, referentes a assinaturas da Folha para escolas paulistas. Quatro anos antes, em 2006, a empresa Folha da Manhã havia doado a curiosa quantia–nas imortais palavras do Senhor Cloaca–de R$ 42.354,30 à campanha eleitoral de Paulo Renato. Foi a única doação feita pelo grupo Folha naquela eleição. Gentileza gera gentileza.
Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor do Grupo Folha. Os grupos Abril, Estado e Globo também receberam seus quinhões, sempre com dinheiro público. Numa única canetada do dia 28 de maio de 2010, a empresa S/A Estado de São Paulo recebeu dos cofres públicos paulistas–sempre sem licitação, claro, porque “sigilo” no fiofó dos outros é refresco–a módica quantia de R$ 2.568.800,00, referente a assinaturas do Estadão para escolas paulistas. 
No dia 11 de junho de 2010, a Editora Globo S.A. recebe sua parte no bolo, R$ 1.202.968,00, destinadas a pagar assinaturas da Revista Época. No caso do grupo Abril, a matemática é mais complicada. São 5.200 assinaturas da Revista Veja no dia 29 de maio de 2010, totalizando a módica quantia de R$1.202.968,00, logo depois acrescida, no dia 02 de abril, da bagatela de R$ 3.177.400, 00, por Guias do Estudante – Atualidades, material de preparação para o Vestibular de qualidade, digamos, duvidosíssima. 
O caso de amor entre Paulo Renato e o Grupo de Civita é uma longa história. De 2004 a 2010, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação de São Paulo transfere dos cofres públicos para a mídia pelo menos duzentos e cinquenta milhões de reais, boa parte depois da entrada de Paulo Renato na Secretaria de Educação.
Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grandes grupos de mídia brasileiros. Ele também atuou diligentemente em favor de grupos estrangeiros, muito especialmente a Fundação Santillana, pertencente ao Grupo Prisa, dono do jornal espanhol El País. Trata-se de um jornal que, como sabemos, está disponível para leitura na internet. Isso não impediu que a Secretaria de Educação de São Paulo, sob Paulo Renato, no dia 28 de abril de 2010, transferisse mais dinheiro dos cofres públicos para o Grupo Prisa, referente a assinaturas do El País. 
O fato já seria curioso por si só, tratando-se de um jornal disponível gratuitamente na internet. Fica mais curioso ainda quando constatamos que o responsável pela compra, Paulo Renato, era Conselheiro Consultivo da própria Fundação Santillana! E as coincidências não param aí. Além de lobista da Santillana, Paulo Renato trabalhou, através de seu escritório PRS Consultores – cujo site misteriosamente desapareceu da internet depois de revelações dos blogs NaMaria News e Cloaca News–, prestando serviços ao … Grupo Santillana!, inclusive com curiosíssima vizinhança, no mesmo prédio. 
De fato, gentileza gera gentileza. E coincidência gera coincidência: ao mesmo tempo em que El País “denunciava”, junto com grupos de mídia brasileiros, supostos “erros” ou “doutrinações” nos livros didáticos da sua concorrente Geração Editorial, uma das poucas ainda em mãos do capital nacional, Paulo Renato repetia as “denúncias” no Congresso. O fato de a Santillana controlar a Editora Moderna e Paulo Renato ser consultor pago pelo Grupo Santillana deve ter sido, evidentemente, uma mera coincidência.
Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grupos de mídia, brasileiros e estrangeiros. O ex-Ministro também teve destacada atuação na defesa dos interesses de cursinhos pré-vestibular, conglomerados editoriais e empresas de software. Como noticiado na época pelo Cloaca News, no mesmo dia em que a FDE e a Secretaria de Educação de São Paulo dispensaram de licitação uma compra de mais R$10 milhões da InfoEducacional, mais uma inexigibilidade licitatória era anunciada, para comprar … o mesmíssimo produto!, no caso o software “Tell me more pro”, do Colégio Bandeirantes, cujas doações em dinheiro irrigaram, em 2006, a campanha para Deputado Federal do candidato … Paulo Renato! Tudo isso para não falar, claro, do parque temático de $100 milhões de reais da Microsoft em São Paulo, feito sob os auspícios de Paulo Renato, ou a compra sem licitação, pelo Ministério da Educação de Paulo Renato, em 2001, de 233.000 cópias do sistema operacional Windows. Um dos advogados da Microsoft no Brasil era Marco Antonio Costa Souza, irmão de … Paulo Renato! A tramóia foi tão cabeluda que até a Abril noticiou.
Pelo menos uma vez, portanto, a Revista Fórum terá que concordar com Eliane Cantanhêde. Foi um “legado e tanto”. Que o digam os grupos Folha, Abril, Santillana, Globo, Estado e Microsoft.

Idelber Avelar é colunista da Revista Fórum outro mundo em debate.
http://bit.ly/k0jUVm

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Duas experiências e um livro

Sírio Possenti

Quando voltei a Ijuí, depois de dois anos em Campinas, onde cursara um mestrado, o editor do jornal local me convidou para escrever um texto sobre o vestibular que se aproximava (sobre a prova de português, claro). Respondi que só faria isso se me desse espaço para, antes, escrever outras coisas sobre saber português e sobre escrita.

Ele aceitou. Fiz uma série de dez colunas. Começava do começo (eu acabara de estudar um pouco de lingüística e estava empolgado): como se fala, como se escreve, como se ensina, como se aprende (ou não), como e o quê a sociedade cobra (cobra mesmo?) dos falantes etc. E o que significa aceitar ou não tais cobranças. Etc. Falava também da prova, mas depois disso tudo.

Criei algumas inimizades na cidade (especialmente entre os professores de português...). O jornal me garantiu o espaço - havia leitores interessados, sim senhor! - e eu continuei escrevendo, mesmo depois do vestibular (a um cavalheiro só interessam causas perdidas, como diz uma personagem de Borges). Um dia, passado um ano, fui a uma loja buscar uma encomenda. Quando o dono viu meu nome no cheque, perguntou se era eu mesmo, o do jornal. E me disse, em seguida, que, antes de ler meus artiguinhos, tinha vergonha de falar. Mas "agora", até ditava!

Achei que tinha valido a pena. E continuo escrevendo sobre questões da mesma natureza, apesar de tudo.

Na mesma época, na mesma faculdade, dava resultados inacreditáveis (literalmente: os outros não acreditavam) uma estratégia de Deonísio da Silva, que estava começando a ensinar literatura. Sempre há diversos detalhes nas propostas que dão certo (até questões de estilo pessoal), mas a dele consistia basicamente em inverter a ordem cronológica habitual nos cursos de letras. Usualmente, começava-se pelas cantigas de amigo e se chegava ao modernismo (o curso - isto é, o manual - acabava em 1922, donde a impressão de que não havia mais literatura no Brasil depois disso!).

Deonísio fazia o inverso: para os calouros, literatura dos autores vivos, especialmente contos, com sua temática e sua linguagem atuais. O tempo passava e ele ia voltando, lendo os clássicos, o cânone etc. O resultado? Os alunos liam em média 10 livros por semestre (e, repito, ninguém acreditava).

O que eu fizera, em escala mais modesta, e sem outro terreno, mais rico de preconceitos, era algo do mesmo tipo: em vez dizer que "falamos mal" ou que "nem sabemos falar", mostrava que falamos, que seguimos regras rigorosas. Dizia também que isso não basta, que vivemos numa sociedade que cobra (cobra mesmo?) certos comportamentos.

Ler literatos cujos nomes não estavam nas antologias, para muitos, não era ler literatura. Deonísio garantia que era. E ia em frente. Ele recusava os clássicos? Não! Só não começava por eles. E sua proposta lhe permitia chegar de fato aos clássicos, com vantagens. É uma pena que ele não acredite que, quando se trata de língua, o melhor caminho é análogo ao dele.

Agora, suponhamos que, no debate sobre a questão do ensino da língua, haja interesse real tanto pela língua quanto pela escola. Então, sugiro aos que estão em posição de adversários dos linguistas que leiam um livro que analisa uma experiência escolar. Durou um pouco mais de um semestre. Os resultados são espantosos. Os alunos de que se trata poderiam ser classificados entre os piores, pelos critérios usuais: pobres, reprovados, moradores da periferia. Da terceira série de então. O livro se chama Redação na escola: e as crianças eram difíceis... A autora é Eglê Franchi.

Leiam. É mais longo do que uma notícia, do que uma página solta, mas leiam, por favor. E tentem imaginar qual poderia ser o resultado, se alunos como aqueles tivessem aulas como aquelas durante 8 ou 9 anos.

Utilidade

Se, um dia, os neurologistas, os psicólogos, os pedagogos e os fonoaudiólogos estudarem lingüística, o número de falsos diagnósticos vai cair brutalmente. Quase não haverá mais disléxicos, porque até há quem diga que o "antigo" rotacismo hoje é dislexia. É como dizer que a Terra estava, sim, imóvel e que começou a girar ao redor do Sol no tempo de Copérnico (por decisão dele).

Dize-me com quem andas...

A polêmica sobre o "livro do MEC" mostrou algumas coisas, entre elas quem estava de qual lado. Foi bom saber que (sem necessariamente apoiar o livro, e até fazendo-lhe objeções) deixaram claro que o livro não pode ser acusado de "ensinar errado" Affonso Romano de Sant'Ana, José Miguel Wisnik, José de Souza Martins, Sérgio Fausto e Silviano Santiago, Ricardo Semler. Convenhamos, é um time respeitável. Além deles, Thaís Nicoletti, Pasquale Cipro Netto e Hélio Schwarstman, ligados à Folha de S. Paulo. A coluna de João Ubaldo no Estadão de 29/05 pode ser posta na mesma contabilidade. Não cito nenhum lingüista por razões óbvias.

Do outro lado estiveram Augusto Nunes, Arnaldo Jabor, Deonísio da Silva, Sérgio Duarte Nogueira, Sardenberg, Merval Pereira, Reinaldo Azevedo, o ínclito José Sarney, algumas funcionárias da VEJA (nenhum tem a ver com a coisa!) e Evanildo Bechara. Também não há nenhum lingüista na tropa (nem poderia, também por razões óbvias) e nenhum representante de relevo nem sua área (de relevo análogo ao dos que estiveram do outro lado, quero dizer) - exceto Bechara. Dou-lhes o benefício da dúvida: eles podem não ter lido o livro. Foi só fofoca, conversa de compadre. E talvez alguma causa escusa.

Ferreira Gullar também esteve com eles. Falou de um livro que não existe (mas sem a classe de Borges) e invocou suas aulas de gramática, como sempre. Por esse critério, não se deveria considerar que Poema Sujo é poesia, pois não tem rimas. E o Poema enterrado? O que é aquilo? Segundo uma tese dele, talvez a melhor de todas, pode-se dizer que é uma boa idéia. Mas não é arte. Se, pelo menos, naquele último cubinho estivesse escrito "envelheça"!

As declarações de Cristóvão Buarque sobre a questão mostraram que Lula podia não saber por que demitia o então Ministro da Educação, mas o ministro devia saber muito bem por que estava sendo demitido.

Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua, Os limites do discurso, Questões para analistas de discurso e Língua na Mídia.

domingo, 19 de junho de 2011

Sobre o Nazismo e a Liberdade de Expressão

PadariaPost reproduz aqui o artigo do secretário Marco Tanoeiro sobre as infames afirmações da promotora de Justiça de Suzano acerca dos problemas ocorridos na UTI Neonatal da Sta Casa local.

É preciso denunciar e combater o exibicionismo e a politicagem de setores do MP/SP, sempre acolitados pelos rampeiros pasquinetes de arrabalde a serviço da escória política regional. Afinal, não foi para isso que lutamos na Constituinte de 1988, colocando o Ministério Público na defesa dos direitos da cidadania.


Marco Aurélio Pereira Tanoeiro*


Os últimos dias foram marcados pela discussão pública acerca das condições de atendimento na Santa Casa de Suzano, no Alto Tietê. Autoridades e população usuária dos serviços foram instadas a se manifestar sobre o assunto, com ampla cobertura da imprensa.

Uma declaração merece especial destaque por sua autoria e pela carga de preconceito e vileza que carreia em seu bojo. A promotora de Justiça Celeste Leite dos Santos. "O fato de ser o único hospital da cidade não autoriza que se façam experiências com a vida humana. Não estamos em guerra e isso não é um campo de concentração. Só uma pessoa muito incauta se submeteria a arriscar a sua própria vida na Santa Casa de Suzano"(sic). Não houve contestação.

Nunca em Suzano um representante do Ministério Público preocupou-se tanto em fazer uso da mídia para promover sua imagem e suas ações. A anterior ocupante do cargo somente ganhou algum destaque quando, em flagrante desvio de função, tentou prejudicar candidaturas na cidade de São Paulo. Foi exemplarmente repreendida por seus superiores.

A declaração da promotora faz referência explícita aos métodos abjetos do regime nazista. Estão presentes os elementos que povoam nossos mais horríveis pesadelos e que na opinião da promotora constituem o cenário encontrado na Santa Casa de Suzano. Não é o que pensa o Judiciário.

Questiona ainda a capacidade da população de Suzano e região de raciocinar e tomar decisões. Ao afirmar que somente os muito incautos arriscariam sua vida na Santa Casa de Suzano a indigitada tenta decretar sumariamente a extinção da única maternidade do município e uma das mais procuradas de toda a região. Desdenhar da inteligência da população não é ato compatível com a postura que se espera do respeitado e necessário Ministério Público.

A Promotora de Justiça, pessoa culta e conhecedora dos horrores praticados pelo regime nazista, deve se lembrar que a máxima de contar mentiras dizendo apenas a verdade também foi amplamente disseminada à época.

Promover a Justiça e garantir aos cidadãos as prerrogativas constitucionais são funções primordiais do Ministério Público. Como profissional do direito sempre apoiarei toda e qualquer ação nesse sentido. No entanto, ao fazer as alegações supracitadas, a promotora de Justiça dissemina o caos e a insegurança na população, principalmente entre aqueles que necessitam e confiam no Sistema Único de Saúde.

O promotor de Justiça é servidor público cuja remuneração é custeada pelo dinheiro do povo. Diferentemente dos prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores e da presidente da República, os promotores ingressam em seus cargos por concurso e não pelo voto direto. Possuem, portanto, legitimidade para o exercício de sua função, mas estão anos-luz de gozar do respaldo popular inerente aos cargos eletivos. O Estado Democrático de Direito pressupõe não somente a independência dos Poderes, mas também o respeito entre os seus representantes.

Em homenagem ao amplo direito de expressão, recente e brilhantemente defendido por uma também representante do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, necessário que aprendamos a defender nossas opiniões sem ressuscitarmos fantasmas do passado, tampouco transformarmos em ingênuos nossos mestres da sabedoria popular.

* Marco Aurélio Pereira Tanoeiro é advogado e Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos de Suzano/SP

http://www.diariodesuzano.com.br/main4/conteudo_coluna.php?cod=258580&data=2011-06-18

sábado, 18 de junho de 2011

Tudo vale a pena se a alma não é pequena

Beijo em meio a pancadaria roda o mundo; fotógrafo explica

A cidade de Vancouver foi alvo do vandalismo de torcedores do   Vancouver Canucks após a equipe canadense perder por 4 a 0 para o Boston Bruins na .... Foto: Getty Images

Casal apaixonado em meio à destruição em Vancouver surpreendeu o mundo
Foto: Getty Images

A foto foi tirada em Vancouver, em meio aos violentos distúrbios que aconteceram após uma partida de hóquei. O autor estava ali para retratar o caos, quando captou um casal deitado na rua "entre a polícia e um espetacular incêndio".

Ninguém sabe quem são, nem por que fizeram isso, mas a imagem parece ser uma dura competidora para aquela tirada em agosto de 1945 na Times Square, em Nova York, em que um marinheiro beija apaixonadamente uma enfermeira.

Estão se beijando? Ele a está socorrendo? É uma montagem? Como é possível que houvesse amor entre tanta violência?

Os graves distúrbios de dois dias atrás em Vancouver, após a derrota do time de hóquei dos Canucks diante do Boston Bruins, não apenas deixaram imagens de violência e destruição, mas também uma que já entrou para a história dos mistérios.

A fotografia deu a volta ao mundo por intermédio das redes sociais, mas nem sequer o autor, Rich Lam, da agência Getty Images, pode assegurar se era um beijo ou outra coisa. Segundo conta o The Guardian e reproduz nesta sexta o diário El Mundo de España, enquanto Lam tentava tirar fotos da confusão, ele viu o casal.

"Eu estava a uns 20 ou 30 m de distância e apareceram no meio da rua (...) Não acho que algum deles estivesse ferido", disse. Lam tirou várias fotos do momento, e então desapareceram do enquadro de sua câmera.

O fotógrafo explica como tudo aconteceu. No meio do caos, com carros pegando fogo, a polícia investindo contra os torcedores dos Canucks, e as casas ao redor ardendo em chamas, "me dei conta de que no meio do cordão policial eles estavam deitado na rua, entre a polícia e um incêndio".

"Em um primeiro momento, não percebi. Foi meu editor, mais tarde, repassando as imagens, que percebeu que não era um casal ferido, e sim que estava se beijando", disse o fotógrafo. Agora, ninguém sabe quem são, nem porque fizeram aquilo.

E a violenta noite não deixou só imagens de pessoas alteradas ateando fogo a tudo que encontravam, ou de policiais atacando. A noite que viveu Vancouver deixou um sem-fim de imagens curiosas, pouco habituais em acontecimentos deste tipo.

Pessoas posando em frente a carros em chamas, jovens acendendo charutos com o fogo que queimava caixas, homens "tocando guitarra" em pernas de manequins... Vancouver se converteu em uma janela de arte urbana violenta, onde só restou as cinzas de um beijo em meio à fúria.


http://esportes.terra.com.br/noticias/0,,OI5192312-EI1137,00-Beijo+em+meio+a+pancadaria+roda+o+mundo+fotografo+explica.html

A mulher machista (o machismo feminino)

Cynara Menezes


O escritor Nelson Rodrigues tinha uma vizinha velha, gorda, patusca e cheia de varizes que era a maior inimiga da revolução feminista. À janela ou sentada em sua cadeira dobrável na calçada, cismava com as jovens mulheres em mutação. A dona-de-casa que arranjava emprego fora? Imoral. A mocinha que ia à praia pela primeira vez com um maiô duas peças? Indecente. A odalisca que mostrava o umbigo no carnaval? Ah, essa aí então é melhor nem comentar.

Pois eu pensava que a vizinha gorda e cheia de varizes do Nelson Rodrigues tinha morrido. Que nada! Um outro vizinho do anjo pornográfico, também jornalista, achou que a patusca levava jeito para as letras. E não é que a velha virou colunista de jornal? Entusiasmada com a vida nova, deu uma guaribada no visual, esticou a cara e fez lipoaspiração. Parou até de andar com as pernas envoltas em gaze para disfarçar as veias inchadas, corrigidas na mesa de cirurgia.

A vizinha de Nelson, porém, continua cheia de varizes –na alma. A chegada de uma mulher à presidência da República deixou-a furibunda. “Que espeto!” Segundo ela, todo mundo está careca de saber que a mulher pode até ser igual ao homem em algumas profissões, mas jamais na vida pública. Homens são profissionais da política; mulheres são amadoras, diz a vizinha patusca. A mulher por natureza é frágil, e sempre vai precisar do auxílio do homem, vaticina a velha gorda e varicosa. Além do mais, considerou que não havia nenhum sentido em celebrações. “Como assim primeira mulher no comando? Esqueceram da Princesa Isabel?”

Cada ministra escolhida pela presidenta mereceu um muxoxo da vizinha de Nelson Rodrigues. Miriam Belchior? “Machona que nem a Dilma”. Maria do Rosário? “Falta pulso”. Luiza Bairros? “Só foi escolhida porque é negra”. Iriny Lopes? “Irrelevante”. Ana de Hollanda? “Ah, se não fosse irmã de Chico…” Gleisi Hoffmann? “Bonita, parece uma normalista. Ou a Barbie”. Ideli Salvatti? “Histérica e descompensada”. E para que, afinal, colocar tanta mulher no ministério, se homens são infinitamente melhor preparados? “Até por ser uma representante legítima do gênero”, disfarçou a matrona, “torço para que dê certo, mas acreditar, eu não acredito”.

A vizinha gorda e cheia de varizes de Nelson Rodrigues não quer nem saber do que aconteceu no Chile, onde a presidente Michelle Bachelet governou o país com metade dos ministros do sexo feminino, além de 15 subsecretárias de Estado mulheres. Bachelet terminou seu mandato com 70% da aprovação dos chilenos e só não foi reeleita porque não existe reeleição por lá. “Mas não fez o sucessor”, desdenha a patusca. Bem a propósito, a única similar chilena da velha gorda e cheia de varizes de Nelson veio para o Brasil para se casar com um político da elite paulista.

A velha patusca também não é mais viúva. Casou-se com um colega de jornal, colunista que nem ela, o Políbio Pompeu, senhor de sobrancelhas ásperas e eriçadas como as cerdas bravas do javali e que cultiva um enorme cravo negro nas dobras do pescoço. Pompeu adora dizer, a propósito da presidenta, que “as mulheres descasadas são seres infelizes”, ao que a vizinha gorda e cheia de varizes de Nelson Rodrigues bate na perna, dá uma gargalhada e comenta: “Batata!”

A vizinha de Nelson passou pelo feminismo, mas entendeu tudo errado. Deixou de cuidar da casa, entregou os filhos a uma babá e se orgulha de não saber fritar um ovo. Mas, embora trabalhe no mesmo jornal e praticamente na mesma função que Políbio, seu salário é 20% menor do que o marido, o que ambos consideram perfeitamente natural. A velha patusca, gorda e cheia de varizes acha que o homem merece mesmo ganhar melhor do que a mulher, porque é mais racional e menos emotivo. Sem falar que não tem TPM.


http://www.cartacapital.com.br/politica/a-mulher-machista

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sopa de letrinhas indigesta


fred

Fred Navarro


Prefiro falá as coisa certa com as palavra errada a falá as coisa errada com as palavra certa.” Patativa do Assaré, poeta popular cearense

O debate sobre os “erros do livro do MEC” aos poucos sai de foco e tende ao esquecimento, até que novo estopim reacenda a discussão sem fim. A confusão entre a gramática e a língua – a única coisa em comum entre 95% dos que se digladiaram sobre o tema na mídia, blogs e redes sociais nas últimas semanas – está por trás do furdunço (barulho, desordem, em bom português).

Em diversos livros, o doutor em Língua Portuguesa pela USP, professor Marcos Bagno, da Universidade de Brasília, abordou essa questão. Aos interessados, não é possível deixar de ler “A Norma Oculta” (2003) e “Português ou Brasileiro? Um Convite à Pesquisa” (2001), ambos da Parábola Editorial.

Nestes livros, aprendemos que o português falado atualmente no Brasil tem cada vez menos ligação com a língua que lhe deu origem, falada em Portugal por pouco mais de 10 milhões de pessoas, enquanto aqui esse total se aproxima dos 200 milhões. Diante deste fato (ou facto, para os neo-puristas), fica fácil imaginar quem influenciará mais o futuro da língua portuguesa, mas os puristas e desinformados insistem em pinçar regras gramaticais conservadas no formol do tempo, ou que se justificam onde foram criadas e onde até hoje são respeitadas, mas que aqui estão superadas.

Nestas regras, fantasiosas, não há misturas de tratamento, nem artigos definidos e indefinidos revezando-se em suas funções, nem adaptações que a própria língua trata de fazer para continuar viva e atuante.

Do ponto de vista linguístico e histórico, segundo o professor Banho, o equívoco primordial que deu origem à eterna confusão entre a famosa “norma oculta” e a língua praticada pelas pessoas no cotidiano, começou no século SI a.C., quando os fundadores da disciplina gramatical “plantaram a semente do preconceito linguístico” ao sacralizarem na cultura ocidental o mito de que existe “erro” na língua, principalmente na falada, se comparada com a da tradição escrita. Muitos não sabem, e poucos se lembram, que o homem fala há pelo menos um milhão de anos, mas só passou a escrever há aproximadamente 10 mil anos, no entorno da velha Mesopotâmia.

A gramática (arte de escrever, em grego) foi criada para estudar os usos literários dos cânones, dos mestres, dos grandes autores, ela é importante e necessária, mas as pessoas comuns continuaram (e continuam até hoje) falando e se comunicando independentemente das regras e dos clássicos, em qualquer parte do planeta.

Querer enquadrar a linguagem de Patativa do Assaré, de João do Vale ou dos cantadores de viola nordestinos ou gaúchos ao palavreado de Eça de Queiroz não dá liga, é um equívoco. Manuel Bandeira escreveu, com sensibilidade e precisão, no poema Libertinagem: “A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros, vinha da boca do povo, na língua errada do povo, língua certa do povo. Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil..."

O português à brasileira tem palavras de origens latinas arcaicas e modernas, palavras portuguesas, espanholas, flamengas, francesas, italianas, castelhanas, árabes, inglesas, ioruba, nagô, banto, sem mencionar outras línguas e dialetos de povos de origem africana, e muito menos as centenas e centenas de línguas faladas pelos povos nativos quando os portugueses aqui desembarcaram, taxando-os de “índios” (naturais das Índias), outro equívoco que permanece até hoje.

As palavras não têm fronteiras, mas só são incorporadas por determinado povo ou grupo social quando se tornam úteis, quando são cativantes. No Nordeste, por exemplo, palavras de uso cotidiano como alcatifa (carpete), atalaia (posto de vigia ou lugar alto), brote (pão ou bolacha) e tantas outras, vieram de fora, as duas primeiras do Norte da África e a terceira da Holanda. Fora da região, poucos a conhecem, mesmo os tais defensores da “pureza” da língua.

No português do Brasil, volto à lição de Marcos Banho, substantivos atuam como adjetivos, ou o leitor nunca ouviu a expressão “filme cabeça” ou “funcionário fantasma”? Adjetivos funcionam como advérbios, a exemplo de “falar grosso” “escrever claro” ou “gosto de trabalhar direito”. Aqui, as gramáticas dizem que os pronomes possessivos referem-se às pessoas do discurso, atribuindo-lhes a posse de algo, mas no exemplo “Saia da minha frente!” pergunta-se: como alguém pode ter a posse do que está à sua “frente”? Ou no exemplo “Tua ausência me faz sofrer” pergunta-se: uma pessoa pode ter a posse da “ausência” de alguém?

No português do Brasil, volto à lição de Marcos Bagno, substantivos atuam como adjetivos, ou o leitor nunca ouviu a expressão “filme cabeça” ou “funcionário fantasma”? Adjetivos funcionam como advérbios, a exemplo de “falar grosso” “escrever claro” ou “gosto de trabalhar direito”. Aqui, as gramáticas dizem que os pronomes possessivos referem-se às pessoas do discurso, atribuindo-lhes a posse de algo, mas no exemplo “Saia da minha frente!” pergunta-se: como alguém pode ter a posse do que está à sua “frente”? Ou no exemplo “Tua ausência me faz sofrer” pergunta-se: uma pessoa pode ter a posse da “ausência” de alguém?

Mas, se por um milagre esses intelectuais saíssem da poltrona ou do sofá e percorressem o Brasil, e não só o Brasil das capitais, das metrópoles e das praias, e sim o Brasil profundo, no interior dos Estados, de Norte a Sul, compreenderiam que o povo fala certo, sim, e é ele que mantém a língua viva e fascinante.

Por viver em gabinetes e de regras que engoliram sem questionar, não compreendem que o português falado hoje no Brasil já se libertou, na prática, das amarras que o prendiam à língua-mãe. Nos livramos do sotaque dela e aos poucos introduzimos mudanças que alteraram muita coisa, um caminho natural, ocorreu com centenas de línguas ao longo da história da humanidade.

Falar e escrever certo, no Brasil, não é macaquear Camilo Castelo Branco, Camões ou Saramago. Nem mesmo falar como José de Alencar e Machado de Assis. Eles não passam de cânones utilizados pelos gramáticos e dicionaristas. Ninguém no mundo real fala como eles escrevem. Elomar, o músico baiano que não aparece no Dicionário Aurélio, no Dicionário Houaiss nem no Dicionário Caldas Aulete, canta o sertão baiano e nordestino com sensibilidade e elegância, e para isso, quando quer, usa palavras que 95% dos habitantes de fora da região não têm a menor ideia do que significam. Quando cantamos “Saudosa maloca”, temos que nos achar ignorantes só por que meia dúzia de detentores da sabedoria da língua decretaram que assim falamos o “português errado”?

Ah, nossas elites, nossos governantes... Temos uma educação avaliada em 88º lugar no mundo, dentre 128 países, resultado de uma pesquisa anual realizada pela Unesco junto aos governos destes países, e divulgada esta semana. Nossos doutores nunca trouxeram um prêmio Nobel para o país. Nem os literatos, acadêmicos ou não. Talvez isso não tenha importância para eles, mas para o país teria.

Do ponto de vista político, há um claro viés antipopular, fruto do preconceito mencionado anteriormente pelo professor Bagno, nessa elite esbranquiçada (que lamenta não ter olhos azuis) que torce o nariz quando alguém não fala ou escreve igual a ela. Não deixa de ser curioso que seus integrantes cometam erros “cavalares” o tempo todo, na escrita e na fala, sem consciência disso, o que não os impede de desprezar publicamente o porteiro que fala “oxente”.

Para concluir, recomendo a leitura atenta dos livros do professor Bagno, que, ao contrário de um jornalista curioso e apaixonado pelas palavras, como sou, é um estudioso e apaixonado por elas. Faz toda a diferença. Uma citação a mais dele não vai chatear ninguém: “Como toda ciência, também para a ciência da linguagem a simples intuição do leigo e as noções pré-concebidas dos curiosos, por mais bem-intencionados que sejam, não servem como instrumentos confiáveis para navegar no oceano vasto e fundo da linguagem”.


* Fred Navarro, colaborador de Pitacos, é jornalista e escritor. http://pitacos-politicos.zip.net/