domingo, 2 de outubro de 2011

Carnaval em Pernambuco: quem ama, cuida


PadariaPost traz uma reflexão que vale não apenas para o Carnaval do Recife, mas para todas as manifestações culturais deste país multifacetado. 
Silvana Viana Torres
Lendo o blog, na manhã deste 10 de março, tive a grata surpresa de me deparar com o que escreveu um leitor atento sobre o processo de privatização do nosso carnaval.
No último dia 24, a escritora Célia Labanca, em artigo publicado na Folha de Pernambuco (Responda quem souber), também chama atenção para o fato. Concordo com os dois. Passei o carnaval, pela primeira vez, sem brincar, apenas observando e acompanhando a cobertura da imprensa pela televisão e pela internet. Em nome da Multiculturalidade o carnaval de Recife vem sendo transformado em um grande festival de musica como esses que acontecem em várias cidades mundo afora.
Não é de hoje, vale ressaltar.
Mas, agora em 2011, chegamos ao extremo. Doía ver o carnaval, pela oitava (?) vez ser aberto com Naná Vasconcelos e seus batuqueiros e de quebra um show produzido por Lenine, supostamente em homenagem à nossa presidenta, com várias cantoras, todas ótimas, é verdade, cantando musicas de seus próprios repertórios, de Roberto Carlos e por aí vai. No show, apenas Nena Queiroga honrou o carnaval de Pernambuco. Nada contra Naná, ao contrário, mas na terra do Frevo - queiram ou não – por que o carnaval não ser anunciado pelos clarins e aberto por 400 metais? Esse absurdo, que dizem ser tradição, chegou ao seu máximo no carnaval dos 100 Anos de Frevo. Naquele ano foi indigesto ouvir a grande Maria Bethânia abrir o carnaval dos 100 Anos do Frevo, cantando uma “loa” acompanhada pela percussão de Naná.
Sempre entendi que nosso carnaval é multicultural. Senão, vejamos. Temos o frevo - ritmo e dança - com seus inúmeros blocos ; os maracatus de Baque Virado e de Baque Solto; os caboclinhos; as cirandas; as escolas de samba; as la ursas; os bois; o cavalo marinho (o sobrevivente é do município de Aliança), os caretas, os bonecos, os papangus e outros. Mas, onde estão mesmo as tradicionais agremiações do nosso carnaval? Como sobrevivem? Com os parcos recursos liberados pelo poder público nas vésperas do carnaval?
Quanto ao frevo, aquele que “entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé” , é ele, sim, o responsável pela alegria do nosso carnaval. É ele que andam fazendo questão de rebaixar, em nome da Multiculturalidade, a despeito de hoje ser Patrimônio Imaterial.
Lembrem que a PCR até mudou o Concurso de Frevo. O que já não era bom, hoje se chama Concurso de Música Carnavalesca, incluindo maracatu, caboclinho etc... Com qual desses ritmos nosso estado e nossa capital são identificados mundo afora? Alguém já ouviu falar de uma pessoa adquirir um disco com esses ritmos, seja para ouvir ou dançar? Mas todo mundo sabe de alguém que tem discos de frevo. E na folia, em casa ou na calçada, no carro, durante o carnaval, é o que se ouve. Culpam as emissoras de rádio por não dar espaço às novas composições. Não sei esse ano, mas em 2010 o disco do tal festival foi lançado depois do carnaval.
O que assistimos, hoje, algumas pessoas inconformadas, é a mais completa descaracterização do carnaval pernambucano. Ao contrario do Rio de Janeiro, que vem, a todo custo, tentando resgatar sua folia de rua, promovendo concurso de marchinhas, com dezenas de blocos sendo criados, Pernambuco e sua capital seguem jogando valiosas tradições no lixo.
Seja o poder público promovendo shows nada a ver com o carnaval; seja a imprensa em êxtase com o movimento de “celebs”, em luxuosos camarotes tipicamente baianos; sejam os ditos “produtores culturais”, com seus carnavais de trios elétricos, hoje até em blocos de bairro, como acontece há dois anos com o Bloco do Oiti, no Espinheiro. E, pasmem! Até a escola infantil, Saber Viver, na semana pré carnavalesca, botou seu bloco de crianças atrás de um trio elétrico, desfilando pela (ainda arborizadas) ruas do Espinheiro – cena bizarra, que dispensa maiores comentários, até por ser uma escola que, em tese, deveria repassar nossa cultura às suas crianças. Uma orquestra de frevo ali e estaria tudo maravilhoso.
Passado o carnaval, resta-nos as felizes declarações das pessoas que comandam o turismo em nosso estado e daquelas que se intitulam “produtoras culturais”. Todas felizes com a ocupação de 99% da rede hoteleira, regozijadas com o lucro e o sucesso do Festival Multicultural. Desculpe, carnaval.
Mas, olha aí a brecha: vocês, produtores ,têm espaço no nosso calendário para fazer um evento dessa natureza - o começo do verão. Por que não um Rock in Capibaribe? Invistam, ousem, arrisquem seus ricos dinheirinhos, corram em busca de patrocínios. Preencham o calendário de festas da nossa Capital Multicultural. Hotéis lotados, empregos gerados, dinheiro no bolso ,em outro período do ano. Mas, preservem o Carnaval de Perambuco, único pela sua diversidade cultural. E, como disse Célia Labanca em seu artigo, citando Tolstoi: "Se queres ser universal, canta bem a tua aldeia"

2 comentários:

  1. Adorei ver o artigo de Sil Torres neste blog. Sei bem que ela tem Conhecimento de Causa.Isso porque, já participou durante muitos anos da coordenaçào do carnaval, sendo, inclusive, reconhecida como uma das defensoras das nossas tradiçòes culturais. Já havia lido o artigo, o qual, foi muito bem recebido pelas pessoas "experts" no assunto além de quem valoriza nossa riqueza cultural, a cada ano mais descaracterizada .

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  2. Você tem razão, Sil tem um olhar que transcende o Recife, podendo abranger toda a questão da memória cultural do país. Obrigado pelo comentário.

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